São Paulo, sábado, 18 de julho de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

No creo en las brujas, pero...


A catimba e a arte de Verón transformaram em pesadelo listrado o que estava programado como festa azul


"VERÓN HIPNOTIZA anfitriões e decide" foi o feliz título que este caderno deu à reportagem sobre a derrota do Cruzeiro para o Estudiantes, na final da Libertadores da América.
É inevitável lembrar o poema que João Cabral de Melo Neto dedicou a Ademir da Guia e que começa assim: "Ademir impõe com seu jogo/ o ritmo do chumbo (e o peso),/ da lesma, da câmera lenta,/ do homem dentro do pesadelo".
O que foi a partida do Mineirão senão um longo pesadelo coletivo, em que a bola insistia em escapar do script preparado de antemão? Contra o triunfo azul anunciado em entrevistas otimistas, manchetes eufóricas e discurso do governador no vestiário, Verón impôs seu "ritmo líquido se infiltrando/ no adversário, grosso, de dentro,/ (...) mandando nele, apodrecendo-o".
Sim, houve catimba, cotoveladas, socos e pontapés de ambas as partes, diga-se. A marca da maldade apareceu em carne viva aqui e ali, mas o que determinou a inesperada vitória argentina foi sobretudo o domínio do tempo por esse extraordinário jogador que chamam de "Brujita". O apelido, como se sabe, é homenagem indireta ao pai, Juan Ramón Verón, craque do Estudiantes conhecido como "la Bruja" (a bruxa). Até nisso, curiosamente, há paralelo com Ademir, que herdou do pai, Domingos da Guia, o epíteto "Divino".
Meias dessa estirpe, capazes de "esconder a bola" e cadenciar o jogo com frieza e astúcia, são cada vez mais raros. Zidane foi um dos últimos mestres. Riquelme e Verón são talvez seus últimos representantes.
Na correria descerebrada que predomina no futebol de hoje, causa espanto alguém assim, que desmonta o frenético cronômetro eletrônico e põe em seu lugar o escoar lento da areia na ampulheta. É algo tão raro e desconcertante que faz pensar em hipnose, feitiço, sortilégio. "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay." Ao menos por enquanto.

Gols de Ronaldo
Por falar em espanto, não passou despercebido o fato de Ronaldo ter feito dois gols de cabeça na vitória corintiana sobre o Sport, anteontem no Pacaembu. Não me lembro de outra partida em que isso tenha ocorrido. O próprio artilheiro comentou: "Estão acontecendo umas coisas inexplicáveis aqui". Se bem que, como notou o professor de ciência política Caio Navarro de Toledo, o gol mais importante de Ronaldo, ainda que involuntário, foi a revelação de que o presidente Lula intercede junto a empreiteiras para que ajudem na reconstrução do estádio do Corinthians. Se isso não é falta de decoro, não sei o que é.

Beijo salvador
O tenista francês Richard Gasquet, flagrado no antidoping com cocaína, teve sua pena abreviada ao convencer as autoridades esportivas de que absorveu a substância ao beijar uma moça numa festa. Se o precedente virar jurisprudência, haverá uma inversão na atitude dos boleiros e demais esportistas. Em vez de negar que tenham ido à balada, vão sair alegando, como na marchinha de Assis Valente: "Peguei na mão de quem não conhecia, beijei a boca de quem não devia".

jgcouto@uol.com.br


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