São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2001

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FUTEBOL

Sonho de uma tarde de verão

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Agora que o Vasco foi campeão, posso confessar: como a grande maioria dos brasileiros, torci pelo São Caetano. (Mais abaixo explico por quê). Pensei em culpar o campo ruim, o calor paralisante e o pênalti que o juiz deixou de dar para o Azulão quando ainda estava zero a zero.
Mas a verdade é que o Vasco venceu porque foi mais time. O São Caetano caiu diante da melhor equipe do país.
Jogada em câmera lenta boa parte do tempo por causa do calor e da falta de condicionamento dos jogadores, a partida de ontem teve uma inversão interessante.
O Vasco, que passou o ano inteiro dependendo da inspiração individual de seus craques, matou o adversário em três jogadas de passes rápidos e de primeira.
O primeiro gol foi uma maravilha da qual participaram todos os jogadores de frente do time: Euller, Juninho, Romário e Juninho Pernambucano.
No São Caetano, que se destacou na temporada por seu poder de conjunto, prevaleceram ontem as tentativas de lances pessoais, sobretudo de Aílton, Esquerdinha, Adãozinho e Zinho.
Os astros Adhemar e César ficaram devendo. A defesa do São Caetano voltou a mostrar sua fragilidade. E Hélton, mais uma vez, pegou tudo.
Tudo somado, o Vasco mereceu seu quarto título.
Por que tantos brasileiros (eu entre eles) torceram pelo São Caetano? As razões são inúmeras. Vamos às principais:
1) O fator Davi x Golias: existe uma tendência natural a torcer pelo mais fraco (desde que não seja contra o time da gente);
2) O fator Eurico Miranda: o dirigente vascaíno, com suas tramóias e golpes baixos, tornou-se um símbolo da velha cartolagem que ninguém aguenta mais;
3) A nostalgia do futebol alegre: o Azulão trouxe a campo a ousadia e o prazer de jogar que andavam meio esquecidos.
4) O desejo de mudança: uma vitória do quase desconhecido São Caetano sacudiria a mesmice do futebol brasileiro.
Este último aspecto contagiou até mesmo quem não costuma acompanhar o futebol. Os brasileiros esperam tanto por mudanças, que mesmo uma novidade apenas simbólica (um novo campeão) poderia ser um alento.
Já que o ABC não produz mais líderes operários de dimensão nacional, nós nos consolaríamos com um clube que, vindo de lá, derrotasse o establishment do futebol nacional (leia-se CBF e Clube dos 13).
Pois bem: foi esse o ambiente histórico e cultural que propiciou o sonho de uma noite de verão de ver o São Caetano conquistar o título. Só faltou combinar com os jogadores do Vasco.
Para não dizer que só falei dos perdedores, vamos ao Vasco da Gama.
O time de São Januário não se compara a grandes esquadrões como o Flamengo de Zico ou o Palmeiras dos cem gols ou o Internacional de Falcão ou (muito menos) o Santos de Pelé. Mas tem quatro craques que caberiam em qualquer time do mundo: Hélton, Romário e os dois Juninhos.
O restante do time dá para o gasto: Odvan com seus chutões, Nasa com suas trombadas, Júnior Baiano com seus altos e baixos, dois jovens alas que podem crescer muito, Euller com suas arrancadas. E o velho Jorginho que, enquanto aguenta, dá conta do recado.
Quem viu o jogo pela Globo deve estar com uma pergunta na cabeça: por que a emissora faz tanta propaganda do Romário? Até quando ele dá uma canelada, só falta o locutor dizer que foi uma canelada de gênio.
Outra coisa: no jogo de ontem, o Vasco estampou na camisa o logotipo de um novo patrocinador, o SBT, principal concorrente da Rede Globo.
Suponho que o fato venha apimentar a já conturbada relação entre o chefão do Vasco, Eurico Miranda, e a Globo, que ele acusa de mover uma campanha contra seu clube.
Eles que se (des)entendam.

E-mail: jgcouto@uol.com.br


Hoje, excepcionalmente, não está sendo publicada a coluna de José Roberto Torero


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