São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

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COPA 2006

Padre paranaense convence atletas a valorizar religião na Alemanha e ganha vaga no Mundial

O missionário da bola (e do Papa)

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

As palavras soaram quase como uma bênção. Joseph Ratzinger, então um influente cardeal da Igreja Católica, elogiou o trabalho de Jauri Strieder com jovens e o encorajou a buscar novos fiéis.
O padre brasileiro radicado na Alemanha teve então um estalo: por que não adaptar um procedimento comum em seu país natal e utilizar o prestígio de jogadores de futebol para atrair a juventude?
Três anos depois daquela conversa, Ratzinger acabou escolhido Papa e passou a ser chamado de Bento 16. Justamente no mesmo período, Strieder conseguiu colocar seu inusitado projeto em prática. Agora, com a Copa, acredita que pode fazê-lo decolar.
Com auxílio de outros três clérigos, o brasileiro peregrina desde 2005 por gramados alemães. Sua meta: oferecer orientação espiritual aos boleiros e convidá-los a dar testemunhos ou participar de eventos da Igreja Católica.
Trata-se, grosso modo, da implementação do "atleta de Cristo", figura tão comum no futebol brasileiro, em um país pouco habituado a manifestações assoberbadas de fé nos gramados. "Os alemães adoram os jogadores. Com a popularidade que têm por aqui, conseguem influenciar muita gente com seus testemunhos. Nesse sentido, um depoimento vale mais que dez palestras de um padre", diz Strieder à Folha.
Paranaense de Santa Helena, ele já conseguiu arregimentar ao menos 15 atletas só na primeira divisão do Nacional. A lista inclui três jogadores com passagem pela seleção alemã -Christoph Metzelder, Sebastian Kehl e Olivier Neuville- e também representantes do Brasil, como Athirson, lateral-esquerdo do Bayer Leverkusen.
Pode parecer pouco se comparado às centenas de jogadores que costumam exibir mensagens do tipo "Deus é fiel" em camisetas após balançarem as redes nos gramados brasileiros. Mas, para os padrões da Alemanha, significa uma reviravolta nos costumes.
"A religião é tratada com mais discrição e delicadeza. É muito difícil, por exemplo, ver jogadores rezando em grupo antes dos jogos, uma cena que se repete quase todo dia em outros países. Aqui, a oração tem um caráter muito pessoal", relata Strieder, 25.
Sua estratégia é sensibilizar os atletas nos encontros para a influência que exercem na sociedade. Depois, convida-os para participarem de ações beneficentes.
"Uma vez, organizei um encontro de adolescentes, e o Athirson aceitou aparecer. O número de interessados triplicou."
O período, aliás, é propício para Strieder garimpar fiéis. Segundo o padre, as adesões ao catolicismo ganharam fôlego após a nomeação do colega Ratzinger como Papa. "Posso afirmar que, nos três meses iniciais de papado de Bento 16, tivemos mais conversões do que nos últimos três anos."
A busca por devotos não ocorre por acaso. A vida social e política na Alemanha sofre forte influência das igrejas. Segundo o Departamento Federal de Estatísticas do país, cerca de 45% da população é protestante, a maioria luterana. Os católicos são quase 40% dos 82 milhões de habitantes.
O que mais empolga Strieder, contudo, é a possibilidade de encontrar a seleção brasileira na Copa. A organização do Mundial já o convidou para integrar uma lista de religiosos que ficarão à disposição das equipes. A idéia é que os elencos tenham uma espécie de capelão para conceder apoio espiritual durante a competição.
"Claro que eu preferiria trabalhar com o Brasil. É o meu país. Além disso, os atletas são populares e buscam a Deus. Se tiver oportunidade, vou chamá-los para participar das ações que desenvolvemos aqui", afirma.
Seria a apoteose para quem sempre teve uma relação muito próxima com o esporte. Na infância em Santa Helena, jogava bola sem parar -chegou até a defender uma equipe, chamada Incas.
Nem a entrada no seminário, em Curitiba, arrefeceu seu ânimo. "A gente tinha um bom time e não passava um dia sem disputar um joguinho", recorda.
Torcedor do Grêmio na terra natal ("Era o time de que eu mais gostava quando criança") e do Bayer na nova casa ("Meu trabalho missionário no futebol começou em Leverkusen, onde fui bem recebido"), Strieder conta que a periodicidade dos jogos caiu.
Todas as segundas, ele troca a batina por camiseta, short e chuteira e tenta agrupar outros clérigos para bater bola em Colônia (a cerca de 100 km de Dortmund). "É muito divertido, mas não posso dizer que o jogo tem bom nível técnico. A média de idade dos padres alemães varia entre 40 e 60 anos. Sou uma exceção por aqui."


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