|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ ROBERTO TORERO
Zé Cabala e o torcedor
Desta vez, o telefonista dos espíritos recebe alguém que não é atacante, zagueiro, meio-campista ou goleiro
QUANDO CHEGUEI ao escritório
de Zé Cabala, o grande mensageiro das almas, o supremo
webmail dos espíritos, ele já me esperava em sua sala. Usava um turbante negro, e negra também era
sua túnica.
Como nunca o tinha vista tão elegante, perguntei: "Está de luto, mestre?".
"Não, é que preto emagrece", ele
me respondeu. "Mas vamos ao que
interessa. Quem o nobre foliculário
(ou devo dizer folhiculário?) quer
entrevistar hoje? Um grande meia,
um inesquecível atacante, um invencível zagueiro ou um premiado
técnico?"
"Estava pensando em algo mais
simples: um torcedor."
Então o divino psicófono ergueu-se, pegou a toalha da mesa e começou a agitá-la como se fosse uma
bandeira, correndo pela sala e cantando uns hinos que eu não entendi.
Depois, já ofegante, finalmente sentou-se.
"O senhor é um torcedor?", perguntei.
"Ô! E dos bons."
"Pois eu queria saber o que leva alguém a amar um time."
"Ah, meu filho, são vários motivos
e um motivo só. Você pode gostar de
um time porque é o time da sua cidade, porque algum grande amigo torce por ele ou porque seu pai lhe ensinou assim. Mas o certo é que, se torce para um time, é porque se quer fazer parte de alguma coisa maior. Um
homem é só um homem, mas, se ele
torce para um time, passa a fazer
parte de uma torcida, de um clube,
de uma história, uma história cheia
de vitórias e derrotas, cheia de batalhas heróicas e grandes inimigos."
"E esses inimigos são importantes?"
"Ô! Diga-me com quem não andas
e te direi quem não és. O inimigo é
tão importante quanto o amigo. Talvez mais. E torcer contra eles é uma
delícia. Pode perguntar para qualquer um. O torcedor do Sport vibra
com a derrota do Santa Cruz, o do
Inter bebe vinho quando o Grêmio
perde, e o do Galo canta quando o
Cruzeiro tropeça. O inferno dos outros é o nosso céu."
"Não é meio triste pensar assim?"
"É, mas fazer o quê? O ser humano
não é grande coisa."
"Essa história de inimigo não é o
que provoca as brigas nos estádios?"
"Não mesmo! Torcedor comum
não briga. Isso é coisa de torcedor
organizado. O torcedor comum segue o trilho das coisas certas. Na
verdade, ele até gosta de ir ao campo
com um amigo que torce para o
inimigo, só para ficar tirando sarro
do coitado. Tirar sarro dos torcedores adversários é das melhores coisas que existe. Por isso é que eu adorava as segundas-feiras, porque tirava sarro de metade do pessoal lá no
serviço."
"E o senhor acha certo que o futebol seja tão importante na vida das
pessoas?"
"Meu filho, as coisas mais importantes são as coisas sem importância. O futebolzinho, conversar com
os amigos no bar, beber uma cerveja
gelada, comer uma lingüicinha bem
apimentada, olhar uma mulher bonita, tomar um bom pingado na padaria, pregar peça nos amigos... Felicidade é um negócio simples, a gente
é que complica."
"E quando o senhor era vivo torcia
para quem?"
"Como assim, você não está me reconhecendo?"
"Bem..., para falar a verdade..."
"Te chamei de "meu filho", e você
não adivinhou quem sou eu?"
"Pai?"
"Quem mais? E você sabe que eu
torço pelo Santos e contra o Corinthians. Aliás, esperei até o último
jogo entre os dois para ir para o lado
de lá. Ah, aquele 2 a 1 foi uma bela
despedida. E, falando em despedida,
já está na minha hora. Adeus. De
novo."
Estranhamente, desta vez Zé Cabala não cobrou a consulta.
torero@uol.com.br
Texto Anterior: Carlos Sarli: Muitos campeões Próximo Texto: Novo Corinthians lembra o de Leão Índice
|