São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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ANÁLISE

Sex appeal move e compromete o projeto Nuzman

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Carlos Arthur Nuzman é um burocrata que sabe onde pisa, com boa lábia e espírito empreendedor. Ah, tem olhos azuis e, vá lá, estampa de galã.
Esse charme, cacifado pelo currículo atleta-advogado-executivo, não rendeu "somente" a reverência do esporte (e as palmas da imprensa) no Brasil.
Permitiu também que Nuzman escalasse vigorosamente a pirâmide do movimento olímpico internacional. "Lá vem o carioca de novo", costumam cochichar os cartolas de outros países, impressionados.
Por isso a surpresa de Nuzman -e de todos os que o cercavam ontem em Lausanne. Não esperavam que a cúpula do COI descartasse de supetão o "sex appeal" que tanto sucesso fez nos últimos anos.
O recado do dossiê substantivo de 103 páginas é claro.
De nada adianta inscrever a cidade mais linda do mundo. Indicar um embaixador com tantas credenciais. Encaminhar uma proposta bem escrita e tecnicamente fundamentada. Espalhar outdoors e engajar a população. Explorar o carisma do presidente barbudo.
O COI convive hoje com o trauma de outra experiência "sensual". Diante do caos das obras de infra-estrutura, borra-se de medo, temendo o saldo da aventura de Atenas-04.
Sabe, ainda, que os Jogos de Pequim-08, um sonho de mercado, também representam um tiro no escuro, dado o hermetismo da sociedade chinesa.
Entregar a terceira Olimpíada seguida a alienígenas?
A resposta negativa significa que agora só interessa ao COI saber se o candidato olímpico tem asfalto, transporte público, telefone, hotel, delegacia de polícia. Se o evento vai ou não causar dor de cabeça a torcedores e atletas. Se vai ou não ser, em suma, de Primeiro Mundo.
A oportunidade de engatar um projeto esportivo, de reinventar um país, de enriquecer a história dos Jogos... Esse discurso, que embalou as aspirações brasileiras, não cola mais.
O projeto ambicioso de Nuzman parece fadado ao insucesso. O anúncio da Fifa de que a Copa do Mundo de 2014 deverá ser no Brasil inviabiliza o recém-nascido Rio-2016. Ou alguém acha que haverá dinheiro público suficiente para as duas candidaturas/competições?
Resta ao Rio estapear o COI com a organização do Pan-Americano de 2007, provar que uma cidade subdesenvolvida pode sediar um grande evento.
Nuzman já sabe disso, que precisa se reinventar, "partir para a ignorância". Ou corre o risco de definhar como o Marlon Brando bonitão de "Sindicato dos Ladrões", pugilista lamentando a chance que não veio. "Eu podia ter sido alguém na vida, um competidor..."


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