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São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 2003

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FUTEBOL

A turma de trás e a da frente

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Após o empate com o Peru, houve consenso, até do Parreira e do comentarista Lula, que faltou posse de bola ao time brasileiro. Trocar passes, atacar sem afobação e impor a sua maneira de jogar são características das equipes dirigidas pelo Parreira.
A seleção tocou pouco a bola porque o Peru pressionou laterais e volantes, que não saíram da marcação. Era o que eu temia, como escrevi no domingo. Dida e os zagueiros deram chutões porque ninguém estava livre para receber a bola. Os três volantes quase não passaram do meio-campo. Havia sete defensores bem distantes dos três atacantes. O meio-campo era só defensivo. A turma de trás não se misturava com a da frente.
Quase todos os times que pegam o Brasil atuam diferente. Ainda bem. Esperam perto da área para contra-atacar. Os volantes brasileiros ficam livres para dominar a bola, ajeitar o corpo e tocar para o lado. Assim é fácil jogar.
Faltou no meio-campo um atleta de mais talento para driblar, trocar passes curtos e sair da marcação. Esse é um antigo problema do futebol brasileiro. Há muitos meias ofensivos que só atacam e volantes que só defendem.
A solução é adaptar alguns meias ofensivos à função de volante, como acontece com Juninho Pernambucano, na França. Ele se posiciona e marca como volante e avança como meia. Kleberson e Renato também fazem isso, mas têm menos habilidade.
Juninho Pernambucano poderia entrar no lugar do Emerson ou do Zé Roberto, que é o único que não tem reserva definido. Só sai se machucar. Parece até que Zé Roberto é o Zidane do time.
Outra solução contra o Peru seria o recuo do Kaká. Com quatro atletas no meio-campo ficaria mais fácil tocar a bola. Mas Kaká não é um armador. Ele tem pressa de chegar ao gol. O único jogador brilhante da seleção foi Rivaldo.
O Peru pressionou no meio-campo, e o Brasil não fez o mesmo, em nenhum momento. Essa é uma característica negativa dos times do Parreira. Se o Brasil tivesse marcado mais à frente, chegaria com mais atletas ao ataque e impediria que o Peru tocasse a bola, armasse jogadas pelas laterais e fizesse perigosos cruzamentos. O erro nas bolas altas não foi dos zagueiros, e sim dos laterais, que permitiram os cruzamentos.
Hoje o Uruguai deve esperar o Brasil para contra-atacar com seus velozes atacantes. O Brasil vai precisar marcar por pressão e de volantes que avancem e finalizem. Renato deve entrar no lugar do Emerson. Prefiro o Juninho Pernambucano.
Diferentemente do estilo pesado e defensivo das últimas seleções, a equipe atual do Uruguai joga um futebol mais leve, veloz e ofensivo. Não será surpreendente se o Uruguai adotar uma postura mais ousada contra o Brasil.
O time brasileiro tem deficiências individuais e coletivas, mas elas são menos evidentes do que as das outras principais seleções do mundo. A última Copa nos ensinou isso. Porém o Brasil tem jogadores para atuar muito melhor, ganhar e encantar. É o que espero ver durante as eliminatórias e o que vou cobrar.

Recordar é preciso
Há um conceito "moderno" no futebol: que uma equipe deveria defender e atacar com muitos jogadores. Todos os técnicos falam isso, mas pouco se vê na prática. Contra o Peru, o Brasil tinha sete na defesa e três no ataque. Não havia troca de posições.
Nesses dias muito se falou da história de Brasil x Uruguai. Há excesso de estatísticas e informações no futebol e em todas as áreas. "Quem acumula muitas informações perde o condão de adivinhar." (Manoel de Barros)
Quero também lembrar de bons momentos. Sou orgulhoso e vaidoso. Na Copa de 70, há 33 anos, contra o Uruguai, o Brasil deu bons exemplos de como se deve jogar o futebol moderno. No primeiro gol, o meia Gerson estava muito marcado, trocou de posição com o Clodoaldo, e o volante finalizou dentro da área.
No segundo gol, o Uruguai atacava, o time brasileiro tomou a bola, e os três atacantes (Pelé, Jairzinho e Tostão) trocaram passes curtos no seu campo. O Brasil tinha dez jogadores atrás da linha da bola, como fala o Parreira. Dominei a bola no campo do Brasil, e o Jairzinho foi recebê-la na intermediária do Uruguai.
E ainda dizem que o time de 70 só se preocupava com o ataque, que não tinha disciplina tática, que os jogadores faziam o que queriam, que ganhou somente porque havia muitos craques e que não precisava de técnico.

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