São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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FUTEBOL

Maioria dos 40 atletas que tentaram a sorte no país não tem nem contrato

Brasileiros vão ao Paraguai e encaram "vida de escravo"

SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

Jogadores brasileiros sem mercado no país invadiram o Paraguai em busca de emprego e sustento. Mas lá, segundo o próprio sindicato de atletas local, a maioria encara "uma vida de escravo".
A migração de brasileiros para o país vizinho mais do que triplicou em um período de um ano.
Os dados, obtidos pela Folha, são do Departamento de Registro e Transferência da CBF.
De janeiro até dezembro de 2003, os clubes paraguaios surpreenderam ao contratar 40 brasileiros. Em 2002, 12 atletas cruzaram a ponte da Amizade.
Apesar do grande número de transferências, que colocam o Paraguai como o quarto maior importador de "pé-de-obra" brasileiro, a grande parte dos que foram tentar a sorte nos gramados paraguaios tem vida difícil. Quase todos vivem no subemprego. Ao trocar de país, os brasileiros, que atuam na segunda divisão, jogam sem contrato, convivem com a discriminação e são obrigados a dividir quartos com até quatro colegas de clube.
"Eles vivem como escravos. Não têm direito a nada. Muitas vezes são enganados pelos seus empresários. Tenho pena deles, mas pouca coisa conseguimos fazer até agora", disse o presidente do Sindicato dos Jogadores de Futebol do Paraguai, Hector Rojas. Segundo o sindicato local, cerca de 30 brasileiros jogam na segunda divisão paraguaia.
O sindicalista aponta o River Plate, de Assunção, como o principal exemplo de maus-tratos aos jogadores brasileiros.
Pelos documentos da CBF, 12 atletas se transferiram para o time. "O futebol aqui é muito amador. Os campos são esburacados, os jogadores reclamam muito da alimentação e da falta de privacidade, mas todos esperam subir na vida. Por isso, estamos aqui. Todos acreditam que vão conseguir um futuro melhor", disse Giba, atacante do Santos nos anos 80 e técnico do River Plate.
Giba contou que os jogadores são obrigados a dormir em quartos construídos embaixo da tribuna do estádio em Assunção. "Tenho que ser quase um psicólogo. Converso todos os dias com eles para mantê-los animados."
O volante Rodrigo, 23, um dos poucos que não moram dentro do estádio, não escondeu que a situação é dura no clube.
"O salário é muito baixo. Vivo apenas para treinar e ficar em casa", disse o ex-jogador do Internacional. Ele disse que recebe cerca de R$ 500 por mês.
"Além de o dinheiro ser curto, existe uma rivalidade com os atletas paraguaios. Às vezes, eles chegam a falar em guarani para não entendermos nada", disse o volante, que mora com o técnico em uma casa cedida pelo clube.
Giba é o único que tem contrato assinado com a empresa que gerencia o futebol do River. A Soccer Planet Paraguai, que tem uma filial no Brasil, pertence ao empresário paraguaio Roberto Sato, que atualmente mora no Japão.
"Ele está sem dinheiro e não paga mais ninguém. Mesmo assim, a situação dos outros brasileiros em clubes da segunda divisão não é muito diferente", disse o sindicalista paraguaio.
Apesar do quadro, alguns conseguem sucesso e prestígio na carreira. Dez jogadores atuam na primeira divisão. O atacante Fábio Nunes, do Guaraní, é um dos destaques do futebol local. Vice-artilheiro do Paraguaio-03, ele ganha cerca de US$ 4.000 (quase R$ 12 mil) e deve se transferir para a Europa no segundo semestre.


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