São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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PAULO VINICIUS COELHO

A vitória da numerada


O São Paulo se divide hoje entre os pedidos de duas alas do Morumbi, mas uma delas imperou na questão Muricy


NO PASSADO , a regra era clara. Torcedor da arquibancada gritava, xingava, não perdoava. Na primeira derrota, surgia o grito de burro para o técnico. Na numerada, ficavam os mais sóbrios, serenos. Não que isso tenha mudado na maior parte dos clubes. Mas o São Paulo tem leis um pouco diferentes.
Na arquibancada do Morumbi, quando o São Paulo já perdia do Cruzeiro por 2 a 0, ouvia-se o coro "É Muricy!". Quem chegasse ali pensaria que o técnico era o grande ídolo de toda a torcida. Não era. Na numerada, as cornetas soavam.
O evidente desgaste do técnico após três anos e meio no cargo tem a ver com a forma como o time jogava. Por mais de 20 anos, entre a contratação de Cilinho, em 1984, e a chegada de Cuca, em 2004, os bons times do São Paulo deram espetáculo. Com Muricy, era diferente. O técnico era acusado de montar um time feio e sem repertório, que resumia seu jogo às bolas erguidas para a área. Acusação que procede. Mas, na arquibancada, a reclamação era com Washington, não com o treinador.
Sem querer plagiar Washington Rodrigues e sua definição de geraldinos e arquibaldos, a diretoria são- -paulina também se divide entre arquibaldos e numerados. Há anos, Carlos Augusto de Barros e Silva e João Paulo de Jesus Lopes sentam- -se nas numeradas. E Marco Aurélio Cunha está na arquibancada. Na madrugada de sexta, Juvenal Juvêncio retrucava a voz da numerada. Negava-se a demitir o técnico. Nem o presidente resistiu, e os numerados da diretoria ganharam a guerra.
Nos últimos três anos, Juvenal ouvia tudo, mas decidia mesmo na poltrona de sua casa, entre uma e outra baforada em seu cachimbo. Nas maiores crises por que passou a equipe, pesaram nas decisões dele três aspectos: 1) a qualidade de Muricy; 2) a ausência de outros nomes; 3) os gritos da arquibancada.
"Muricy fala a língua do povo", dizia Marco Aurélio Cunha na manhã de sexta-feira, antes da queda.
Falava.
Convencido pelos numerados, Juvenal demitiu Muricy porque não tem mais certeza sobre o primeiro aspecto. Mas seguiu sem boas alternativas no mercado. Contratar Ricardo Gomes, 11º colocado na França com o Monaco, é tiro no escuro.
No São Paulo, boa parte dos ciclos acabou quando a magia com a arquibancada se desfez. Com os quatro técnicos de ciclos mais longos foi assim. Com Joreca (1943/1947), Cilinho (só ficou dez meses fora entre 1984 e 1989), Telê Santana (1990 a 1996) e Muricy (2006 a 2009). Joreca foi bicampeão paulista em 1945/ 46 e não resistiu ao quarto lugar no ano seguinte. Querido pela torcida, Cilinho saiu do time em 86, mas voltou para ganhar o Paulistão de 87. A qualidade do futebol foi murchando, e ele não resistiu a um empate com o Catanduvense, no início de 89.
Até mesmo o ciclo Telê, encerrado só pela doença, definhou em meio a apresentações tristonhas, como um empate por 1 a 1 com o Inter em 95, com Almir e Amarildo no ataque.
O fim da era Muricy parecia seguir para um sofrimento longo, que poderia durar até dezembro. Isso porque o primeiro semestre de 2009 foi idêntico aos de 2007 e 2008. Mas o quarto revés na Libertadores fez mal à saúde de Juvenal. Até mais do que seu indefectível cachimbo.

pvc@uol.com.br

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