São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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FUTEBOL

(Pode ser) melhor com elas

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Discute-se agora a volta das torcidas organizadas aos estádios. Como se algum dia elas tivessem ido embora!
Eu tenho opinião diferente de 90% dos meus colegas (e de boa parte da população, reconheço). Não acho que as torcidas devam ser extintas e também não acredito que isso seja possível.
Um conhecido meu, que nunca pertenceu a torcida alguma mas também não concorda com a extinção, fez uma comparação descabida: "Se tem de acabar com as torcidas porque os seus líderes não conseguem ter controle sobre os comandados, então tem de acabar com a polícia também!". Calma. A polícia tem sua função importante na sociedade e não deve deixar de existir; o despreparo, a corrupção, o abuso de autoridade e a violência é que têm de ser combatidos.
A torcida organizada não tem uma "função importante", mas sua razão de ser não tem nada de mau. É natural que torcedores do mesmo time desenvolvam uma identificação forte uns com os outros e se organizem em um grupo com nome, sede, camisa, bandeira e, vá lá, grito de guerra. Humanos têm tendência a se agrupar em função de interesses comuns, seja para formar grêmio literário, cineclube ou torcida.
O problema é a violência, a prepotência, o fanatismo. É quando o aficionado não torce mais pelo time, ele torce para a torcida. Futebol já não tem mais nada a ver com isso. É enxergar o adversário como inimigo e o jogador do seu time como o defensor da sua honra, da sua virilidade.
Esse instinto sanguinário pode ser reforçado no grupo. Mas o grupo com que o sujeito se identifica também pode ter poder de coerção na direção da civilidade.
Se o próprio chefe da torcida espanca um velho na rua, isso nunca vai acontecer. E, se ele é tratado como celebridade em programas de TV e pela diretoria do clube, a sua liderança indecente ganha força perante os miolos moles à sua volta. William Figueiredo, sexagenário do Rio de Janeiro, diz que já viu esse filme -"não venham dizer que são maus elementos que se infiltram nas torcidas". Se o líder do bando é covarde e violento, ele tem razão.
Mas a torcida pode ser de outro jeito. A quadra pode ser ponto de encontro para um churrasco, um show, um jogo, um ensaio de escola de samba. A torcida pode publicar revista, criar site e oferecer oficinas de informática, percussão, adereços. Ela pode ser a base para um projeto de conscientização para o uso de preservativo. Acreditem, tudo isso já acontece.
Eu prefiro tentar trabalhar com as torcidas a imaginar que é possível impedir as pessoas de se reunirem. O ignorante que sai de casa com um morteiro e três vizinhos prontos para a briga talvez o fizesse de qualquer jeito. Se ele for cadastrado em uma torcida, pode ser mais fácil controlá-lo. E, se a torcida for um núcleo mais civilizado, ele pode se "distrair" com outras coisas que não dar porrada. O desafio é civilizar as torcidas, os cidadãos, a sociedade toda - que cultua a violência, pelo "bem" ou pelo "mal".

Demorou
A criação de delegacias móveis, juizados especiais ou seja lá o que for mais apropriado nos estádios é uma medida importante para punir vândalos e agressores com rapidez e rigor.

Nada a ver
O atleta que se apresenta a um time não pode ser coagido a vestir o boné de torcida organizada. Ele tem obrigação de vestir a camisa do time. Se quiser confraternizar com a torcida, tem de ser por vontade "livre e espontânea" (existe outra?).

Time misto
Acho que se houvesse mais mulheres nas torcidas e nas arquibancadas, os estádios seriam menos belicosos. Perdão pelo mau português, mas é muito homem junto.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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