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JOSÉ ROBERTO TORERO
Entrevistando o cara da pimenta
Eu me encontrei com o sujeito que atirou o gás no vestiário
do São Paulo. Ele come amendoim com fenobarbital
ONTEM PELA manhã, quando
entrei no Bar da Preta, importante reduto filosófico-futebolístico da capital paulista, deparei-me com um cara de camisa
verde que nunca havia visto por ali.
Ele tinha olhos arregalados, um tique nervoso em que dava pequenas
cabeçadas para a direita e um riso
meio estranho, parecido com o do
Beavis (ou seria do Butt-Head?).
Por via das dúvidas, sentei-me
longe dele. Porém, para meu azar, a
Preta foi até onde eu estava e disse:
"O biruta ali quer falar com você".
Eu me aproximei do sujeito e, antes que dissesse meu nome, ele se
apresentou: "Rerré, Gardenal, muito prazer, rerré."
"Quer falar comigo, Gardenal?"
"Rerré, quero, rerré."
"Pois diga lá."
"Fui eu, rerré."
"Foi você que o quê?"
"Que atirei o gás, rerré."
"Aquele genérico de gás pimenta
no vestiário do São Paulo?"
"É, rerré, fui eu, rerré."
"Mas o Luxemburgo insinuou que
teria sido o próprio São Paulo que..."
"É, ele disse, rerré. Mas nessa aí
ninguém acredita. O Luxa é pinelzão, rerré."
Nessa hora, a Preta deixou um
pratinho com amendoins para nós.
Gardenal jogou ali umas pílulas de
fenobarbital, misturou tudo, encheu
a mão e engoliu. Depois comentou:
"Hum, com amendoim fica mais
salgadinho, rerré."
"Sei, sei..."
"Quer um pouco?, rerré."
"Não, vou tomar a minha Fanta
Uva matinal."
"Depois eu que sou louco, rerré."
"Vamos voltar ao assunto. Por que
você atirou o gás?", perguntei.
"Sei lá. Bagunça é legal, rerré."
"O seu time não precisava disso
para vencer."
"Eu sei, rerré. Foi só zoeira, rerré."
"Agora vocês talvez não possam
fazer a final no Parque Antarctica."
"Eu sei, rerré. Mas não faz mal,
rerré."
"Como não faz mal? Vocês brigaram tanto por isso!"
"Tá tudo planejado aqui, rerré",
disse ele, batendo com o indicador
na cabeça.
"Mas o jogo pode até ser transferido para o interior", argumentei.
Ele balançou a cabeça negativamente (por uns 30 segundos) e contra-argumentou: "Que nada, o Serra
é palmeirense, rerré. Os caras da federação têm medo dele, rerré".
"Então, onde vocês vão jogar?"
"No Morumbi, rerré."
"Será que depois disso o São Paulo
alugará o estádio para o Palmeiras?"
"Tranquilo, rerré. Eles ganham dinheiro e a gente também, rerré."
"Mas isso seria premiar o vandalismo, seria uma loucura!"
"Loucura, rerré."
"E você, o que ganha com isso?"
"Fama na galera, rerré. Tô com a
maior moral, rerré."
"Mas, meu rapaz, fazendo essas
coisas, o que você vai ser na vida?"
"Sei lá! Bin Laden, rerré. Ou presidente de torcida, rerré."
Então Gardenal pegou o pratinho
com amendoins e pílulas de fenobarbital, virou tudo de uma vez na
boca e se levantou.
"Já vou indo, rerré. Vou comprar
umas bombinhas, rerré."
"Não é cedo para festas juninas?",
perguntei ingenuamente.
"Rerrerré", ele respondeu com
certo escárnio.
torero@uol.com.br
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