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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Fátima do Pan
As coisas vêm dando
tão errado há tanto
tempo que não parecia possível que algo
como o Pan desse certo
Pelo menos para mim, a
imagem dos Jogos Pan-Americanos do Rio será a de
Fátima Bernardes, a apresentadora do "Jornal Nacional" da Rede Globo.
Não, não me refiro à Fátima Bernardes ancorando o
noticiário do Pan diretamente de alguma instalação
esportiva. Refiro-me à Fátima Bernardes de volta à bancada tradicional do "JN", enquanto seu parceiro William
Bonner se deslocava para
São Paulo, para apresentar o
principal telejornal do país
diretamente das imediações
do aeroporto de Congonhas.
Parece uma maldição. O
Rio vinha de uma compreensível crise de auto-estima,
causada pela violência incontrolável. Tanta crise que
um repórter talentoso como
Luiz Fernando Vianna, desta
Folha, admitia no texto sobre a inauguração do Pan:
"Festa era para dar errado.
Mas não é que deu certo?".
Traduzindo, se Luiz Fernando me permite: as coisas
vêm dando tão errado no Rio
(e no Brasil) faz tanto tempo
que não parecia possível que
algo desse certo. Ainda mais
que esse "algo" (o Pan) estava cercado de suspeitas sobre o custo das obras.
Mas deu certo. Foi de fato
uma bela festa inaugural.
Mas a festa durou pouco.
Tão pouco que a Globo, especialista na arte de vender
otimismo em eventos esportivos, foi obrigada a mudar o
foco do Pan para a tragédia
de Congonhas e o sorriso
farto de Fátima pela extrema sobriedade de Bonner
(transição que, diga-se, foi
feita com extrema competência e profissionalismo).
Intrometeu-se na festa
das medalhas, que deveria
calar o som das balas perdidas, o luto pelos passageiros
de um avião perdido nas
brumas do aeroporto, ainda
por cima o aeroporto que é o
principal elo de ligação Rio-São Paulo e, por extensão,
foco das piadas dos cariocas
sobre os paulistas (e, em
bem menor medida, dos
paulistas sobre os cariocas).
Nem piadas uns e outros tiveram ânimo para fazer.
Para piorar mais as coisas,
se fosse possível, o país mergulhou em um festival de
acusações prematuras e defesas idem, expondo um azedume coletivo que não vai
levar a nada, a não ser a mais
azedume.
É até possível que, numa
era em que os tempos são
excessivamente acelerados,
Fátima volte a ancorar de alguma quadra/pista/piscina.
E volte a sorrir. Tomara.
Mas a imagem que ficará,
ao menos para mim, é a dela
de volta à bancada tradicional, sinal de que o Pan foi
mais efêmero ainda do que
seria naturalmente.
E, da bancada tradicional,
ela e Bonner relatam muito
mais tristezas que medalhas.
Que pena.
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