São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Fátima do Pan

As coisas vêm dando tão errado há tanto tempo que não parecia possível que algo como o Pan desse certo

Pelo menos para mim, a imagem dos Jogos Pan-Americanos do Rio será a de Fátima Bernardes, a apresentadora do "Jornal Nacional" da Rede Globo.
Não, não me refiro à Fátima Bernardes ancorando o noticiário do Pan diretamente de alguma instalação esportiva. Refiro-me à Fátima Bernardes de volta à bancada tradicional do "JN", enquanto seu parceiro William Bonner se deslocava para São Paulo, para apresentar o principal telejornal do país diretamente das imediações do aeroporto de Congonhas.
Parece uma maldição. O Rio vinha de uma compreensível crise de auto-estima, causada pela violência incontrolável. Tanta crise que um repórter talentoso como Luiz Fernando Vianna, desta Folha, admitia no texto sobre a inauguração do Pan: "Festa era para dar errado. Mas não é que deu certo?".
Traduzindo, se Luiz Fernando me permite: as coisas vêm dando tão errado no Rio (e no Brasil) faz tanto tempo que não parecia possível que algo desse certo. Ainda mais que esse "algo" (o Pan) estava cercado de suspeitas sobre o custo das obras.
Mas deu certo. Foi de fato uma bela festa inaugural.
Mas a festa durou pouco. Tão pouco que a Globo, especialista na arte de vender otimismo em eventos esportivos, foi obrigada a mudar o foco do Pan para a tragédia de Congonhas e o sorriso farto de Fátima pela extrema sobriedade de Bonner (transição que, diga-se, foi feita com extrema competência e profissionalismo).
Intrometeu-se na festa das medalhas, que deveria calar o som das balas perdidas, o luto pelos passageiros de um avião perdido nas brumas do aeroporto, ainda por cima o aeroporto que é o principal elo de ligação Rio-São Paulo e, por extensão, foco das piadas dos cariocas sobre os paulistas (e, em bem menor medida, dos paulistas sobre os cariocas). Nem piadas uns e outros tiveram ânimo para fazer.
Para piorar mais as coisas, se fosse possível, o país mergulhou em um festival de acusações prematuras e defesas idem, expondo um azedume coletivo que não vai levar a nada, a não ser a mais azedume.
É até possível que, numa era em que os tempos são excessivamente acelerados, Fátima volte a ancorar de alguma quadra/pista/piscina. E volte a sorrir. Tomara.
Mas a imagem que ficará, ao menos para mim, é a dela de volta à bancada tradicional, sinal de que o Pan foi mais efêmero ainda do que seria naturalmente.
E, da bancada tradicional, ela e Bonner relatam muito mais tristezas que medalhas. Que pena.


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