São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2008

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Artigo

China moderna não nega passado

Para o país, a Olimpíada é uma ocasião para celebrar a capacidade de revitalizar o antigo e animar o novo

TU WEIMING
ESPECIAL PARA A FOLHA

A cerimônia de abertura da Olimpíada, em Pequim, foi programada propositalmente para começar às 8h (da noite) no oitavo dia do oitavo mês do ano 2008. De acordo com a crença popular chinesa, esse seria o momento mais auspicioso.
O tema geral da mais espetacular cerimônia de abertura da história das Olimpíadas seria a emergência da China como gigante econômica, potência política e, sobretudo, presença cultural no palco mundial.
De fato, a intenção aparente era transmitir a mensagem de que a China é um país moderno, em ascensão, e que possui a mais longa civilização contínua da história humana.
Esses motivos foram combinados com requinte na cerimônia para destacar as duradouras conquistas filosóficas, artísticas e científicas da China, através de uma exibição impressionante de tecnologias eletrônicas. Tudo pareceu ressaltar a tese de que uma civilização antiga está renascendo, fenômeno que deve ser motivo de alegria para todo o mundo.
Essa forte ênfase sobre o caráter distintivo da cultura chinesa dá a nítida impressão de que uma preocupação da Olimpíada de Pequim é criar uma nova definição do que é chinês, num contexto de internacionalismo e cosmopolitismo. A previsão de conquista de grande número de medalhas de ouro é mais um testemunho do orgulho nacional chinês.
Entretanto o medo de que qualquer coisa possa dar errado é tão palpável que todas as medidas preventivas possíveis foram tomadas para assegurar que o evento olímpico transcorra em segurança e paz, fazendo dos Jogos um dos eventos mais fortemente monitorados de nossos tempos.
Os esforços meticulosos para incentivar os habitantes de Pequim a serem hospitaleiros com os visitantes, além da persistente atenção aos detalhes para tornar a cidade apresentável aos turistas estrangeiros, indicam que os organizadores estão profundamente preocupados com a maneira como a China é apreendida e receosos quanto às imagens que os visitantes -especialmente os mais de 30 mil jornalistas- levarão para casa. Esse jogo de autoconfiança e insegurança torna a psique coletiva complexa e intrigante. Vale fazer uma observação de natureza histórica.
Desde a Guerra do Ópio de 1839, o impacto do Ocidente vem suscitando na China acirrados sentimentos nacionalistas contrários ao imperialismo. Também vem gerando um grande desejo de absorver os conhecimentos ocidentais.
Acreditava-se que a rejeição do legado cultural chinês fosse uma necessária condição prévia para a ocidentalização e modernização. Apesar de sua gloriosa história secular, nas últimas décadas a China vem sofrendo de perda de memória, amnésia e esquecimento.
O ataque feroz contra seu passado foi mais pronunciado durante a Revolução Cultural dos anos 60. Apenas nos últimos 30 anos é que foi restaurada uma estabilidade relativa.
A fenomenal transformação da China de expressão geográfica a civilização-Estado gerou muita autoconfiança entre os chineses. Nos últimos sete anos, a China vem se dedicando à meta de fazer do evento esportivo olímpico uma ocasião para celebrar a capacidade da China de revitalizar o antigo como meio de animar o novo.


TU WEIMING é professor de história chinesa e filosofia da Universidade Harvard
Tradução de Clara Allain


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