São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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FUTEBOL

Réquiem para um frasista

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Quando o charuteiro Bill Clinton visitou a Mangueira, Jamelão observou: "Tá mais feliz que pinto no lixo". Diante da frase certeira, muita gente achou que a expressão era da lavra do mangueirense. Não era. O cantor ("puxador" é ladrão de carro, costuma dizer) citara uma velha tirada carioca.
Agora repete-se o espanto com Romário. O antigo artilheiro dançou no Fluminense depois de avacalhar Alexandre Gama: "Entrou no ônibus agora, não está nem em pé [sic] e já quer sentar na janela". Tudo porque o técnico ousou falar que talvez Ronaldo venha a ser melhor que Romário. Com agilidade de cobrador, o camisa 11 lançou mão do repertório de frasista crescido na Vila da Penha. A frase é ótima, mas não é dele. Outra invenção das ruas.
No seu ocaso no campo, Romário afia a língua no estilo que marcou a carreira: incorporando o léxico da malandragem aos bate-bocas. Nunca foi original como Dario, mas divertiu como o goleador que respondia com solucionáticas a todas as problemáticas.
O menino a cuja família faltava dinheiro para lhe comprar o remédio contra asma consagrou-se. Deu-se conta: "Deus apontou o dedo na minha direção e disse: "Esse é o cara'".
Também recorreu ao santo nome -em vão?- quando Pelé o criticou. Contra-atacou: "Deus abençoou os pés desse cidadão, mas se esqueceu do resto e principalmente da boca, porque quando ele fala só sai besteira. Ou melhor, só sai merda". Mais: "Pelé é coisa do passado, e quem vive de passado é museu. Ele não tem por que falar de mim. Se fizer isso, é porque tem algum problema mental".
Dizia que Edmundo era maluco. No Vasco, o Animal se referia a Eurico Miranda como o rei e a Romário como o príncipe. Após uma vitória, o Baixinho se vingou: "A corte agora está contente. O rei, o príncipe e o bobo".
Em nova reprodução de provérbio popular, o príncipe deu de ombros: "Quem tem que se preocupar com imagem boa é aparelho de TV". Mas derrapou numa demagogiazinha: "Se a gente ganhar a Copa, estará dando um prato de comida a esse povo que está com fome".
A sua fome ele matava sob estrelas. "A noite sempre foi minha amiga. Quando saio, estou contente e marco gols". Desmaiou num treino do Flamengo e gracejou: "Fui dormir às oito da noite e passei mal. Quando durmo tarde, não acontece nada".
Inspirou outro frasista, Zagallo. Ao não convocá-lo, o treinador pilheriou: "O Lobo comeu o lobby". Zagallo voltaria atrás e não perderia a piada: "O lobby comeu o Lobo".
Cobrávamos Romário, o matador constatava: "Tenho que matar um leão por dia. E o pior é que os leões precisam ser gordos. Se eu matar um magrinho, são capazes de dizer que é covardia". Já não mata nem gatinho.
Depois de dar um passe decisivo nos EUA, ouviu de Bebeto a mais singela declaração da história do futebol: "Eu te amo!". Quem, um dia, não amou Romário?

Colírio
O melhor da vitória do Milan sobre o Barcelona foi rever o fascínio do futebol que se joga para vencer. Quem estava preocupado com a condição física de Cafu deve ter relaxado: correu, passou e cruzou, inclusive no lance do gol, com eficiência de campeão mundial e vitalidade de guri. Eu já não sei é se ele estará bem para a Copa de 2010. Mais uma preocupação... Por outro lado, como um jogador como Belletti pode regredir tanto? Nunca foi tão horrível.

Polícia!
Faz hoje um ano que o jornalista Ivandel Godinho foi seqüestrado em São Paulo. Nunca mais voltou para casa. Um ano de incompetência da polícia de Geraldo Alckmin para apurar o caso, 365 dias de vergonha.

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br


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