São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

Pendurar as chuteiras


Ronaldo e Romário vivem o momento do adeus; o primeiro como tragédia, o segundo como farsa


"A DEUS: CINCO letras que choram", dizia o samba-canção de Silvino Neto que Francisco Alves imortalizou. Não é do meu tempo, mas meu pai cantava -paradoxalmente, quando estava de bom humor.
Sair da casa dos pais, separar-se da namorada, deixar o país para viver no exterior, abandonar a profissão, morrer... O momento do adeus é sempre difícil.
No futebol não é diferente. Não deve ser por acaso que a expressão "pendurar as chuteiras" virou metáfora para a aposentadoria em qualquer ramo do trabalho e da vida. Você pergunta a um amigo se não vai ter mais filhos, ele responde: "Não, já pendurei as chuteiras". Pergunta a outro se não vai mais à danceteria, ao boliche, à quadra de tênis, ao bordel ou ao forró, e a resposta é a mesma.
Pendurar as chuteiras é sentir que não dá mais; é desistir de lutar contra a passagem do tempo. Romário, 42, e Ronaldo, 31, vivem hoje esse dilema, em condições bem diversas. Curiosamente, ambos podem acabar suas carreiras brilhantes e acidentadas no mesmo clube, o Flamengo.
Seria uma justiça poética esses dois enormes craques serem saudados na despedida pela incomparável torcida rubro-negra no incomparável Maracanã. Vi ontem no "Globo Esporte" imagens da entrevista coletiva de Ronaldo e de sua saída do hospital onde se recuperava da cirurgia no joelho. O que mais chamou a atenção, nesta última cena, foi a caveira estampada na sua camiseta.
Para quem vive rodeado de assessores de imprensa, de imagem, de figurino etc., a escolha da roupa não poderia ter sido mais infeliz no momento de reaparecer caminhando diante dos flashes. Ronaldo usou uma frase bonita: "Meu coração pede para que eu continue, mas meu corpo dá sinais de que está muito cansado, que já sofreu muito e agora pede descanso". De fato, o calvário de Ronaldo não foi fácil. Além das lesões mais comuns que costumam acometer os boleiros, teve nos dois joelhos uma contusão rara no futebol, ruptura do tendão patelar, o que reforça a idéia de que seu fortalecimento muscular, com ou sem anabolizantes, não foi devidamente monitorado.
O tom otimista da reportagem global procurava eclipsar o desânimo do rosto do astro. Aparentemente, deu certo: numa enquete com os telespectadores, 82% opinaram que o craque volta a jogar, e só 18% se mostraram descrentes.
Uma enquete semelhante realizada pelo UOL revelou números um tanto distintos: 66% dos internautas apostam na volta de Ronaldo, 34% na sua aposentadoria.
E Romário, onde entra nessa história? Como um contraponto gaiato, de farsa, à tragédia do colega do Milan. Já faz um bom tempo que o Baixinho faz jus à expressão de Paulo César Vasconcelos: é um "ex-jogador em atividade". Cada jogo de Romário, daqui para a frente, será uma festa de despedida, instaurará um clima de "showball" ou de torneio de masters mesmo em jogos oficiais. Isso é um problema? Não. A vida, bem observada, não passa de um grande teatro. E o futebol o que é, senão o teatro do teatro da vida?

jgcouto@uol.com.br


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