São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

A África não veio


Fracasso das seleções do continente na Copa do Mundo esvazia discurso pan-africano


A TV SUL-AFRICANA tem exibido um comercial (não me lembro de quê) em que aparecem astros de futebol de vários países africanos, com um texto que diz o seguinte: "Eles saíram daqui para ganhar a vida em outros lugares, mas agora voltaram à sua terra para viver seu grande momento".
Que ilusão. Primeiro, porque os africanos são a grande decepção da primeira Copa do Mundo disputada no continente. Ao que tudo indica, só Gana, e olhe lá, deve passar à próxima fase.
Ontem foi a vez de os donos da casa, os Bafana Bafana, despedirem-se do Mundial com uma vitória melancólica sobre a combalida França.
Uma boa explicação para o fracasso continental foi dada aqui por Tostão: os africanos, ao tentar copiar os europeus, perderam a espontaneidade e o atrevimento que encantaram o planeta em outras Copas do Mundo.
Mas a maior ilusão é a de que há uma "terra africana", uma pátria supranacional comum a indivíduos desse imenso bloco de terra, da Argélia à África do Sul.
A unidade africana é uma construção intelectual e ideológica recente, ligada ao discurso anti-imperialista das esquerdas. Conta com pouca base real.
Cada país africano é uma confederação de povos que "vazam" para outros países, atravessando as fronteiras artificiais traçadas pelos colonizadores europeus.
Só na África do Sul há nove etnias nativas predominantes, cada uma com sua cultura e sua língua, sem contar os imigrantes europeus, asiáticos e de outros países africanos.
A relação com estes últimos não é harmônica. Os moçambicanos e os zimbabuanos disputam com os nativos preciosos postos de trabalho não qualificados. Os nigerianos são tidos como a ralé, de onde saem ladrões, traficantes e prostitutas.
Na África do Sul, há desde uma Província zulu (Kwazulu-Natal) até cidades onde ainda só entram brancos, como Orânia. Nem é preciso ir tão longe: cada distrito de Johannesburgo é como uma nação à parte. Se já é difícil fazer desta Babel uma cidade republicana e democrática com a qual todos os cidadãos se identifiquem, a ideia de uma pátria africana comum é uma quimera tão frágil quanto o futebol das equipes africanas.

jgcouto@uol.com.br

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