São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2010

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Tem quem goste

Enquanto craques reclamam na África, peladeiros em várzea de São Paulo aprovam a Jabulani

LEONARDO LOURENÇO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A Jabulani já sabe para onde ir quando quiser ser bem tratada. Bem longe da África, onde corre em bons gramados e é vista por bilhões de pessoas ao redor do mundo, mas se cansou de críticas.
Foi buscar alento no extremo leste da cidade de São Paulo, em um campo em que quica (muito) mais do que rola, disputada por chuteiras castigadas, mas sem as cores berrantes dos pés que a perseguem na terra de Mandela.
A Folha levou uma Jabulani, idêntica às que são utilizadas na Copa do Mundo, para ser a bola da partida entre Cooper e América, equipes da várzea que duelaram domingo em Guaianases, periferia da capital paulista.
Maior polêmica do Mundial, ela abandonou seu lado patricinha -como foi definida pelo volante Felipe Melo- e foi aprovada pelos peladeiros da zona leste paulistana.
"Ela balança bastante, mas, se bater com o peito do pé, vai mais reta", disse o goleiro Marcão, da Cooper, ensinando o que os astros teimam em não aprender.
O cenário em que a bola foi a estrela principal lembra mais os dos documentários do Discovery Channel nas savanas africanas do que os da moderna transmissão do torneio -mesmo em HD.
A grama nasce, bem rala e seca, apenas em um pequeno espaço do campo, próximo de uma das laterais.
O resto é tomado por areia, que a cada vento mais forte levanta nuvens de poeira para esconder os jogadores.
Atrás dos gols, mato. O suficiente para que seja tensa a procura pela bola todas as vezes em que ela ultrapassa a linha de fundo ou vaza a rede precariamente amarrada em um bloco de concreto.
Nada que cause mais preocupação do que o riacho que corre de um dos lados do campo. Por mais que tivessem gostado dela, ninguém se arriscaria a salvar a pobre Jabulani caso ela caísse naquelas águas sujas.
As vuvuzelas não foram ouvidas por lá. Tampouco o silêncio, rompido por canções de rap e funk de gosto duvidoso dos muitos carros que passavam pelo local com o som em volume mais alto.
No início do jogo, a má fama da bola é lembrada por quem está de fora. "Chuta que ela vai sozinha pro gol", gritou um torcedor.
"Ela é espírita", completou outro, apelando para o sobrenatural, assim como fez o atacante Luis Fabiano.
"A bola é leve, mas é firmeza para bater, para cabecear. Reclamaram à toa", disse um dos artilheiros do dia, o meia Rodrigo, o craque da Cooper, que venceu por 2 a 0.
"Ela é boa. O vento atrapalha um pouco, mas sabendo bater...", afirmou o autor do primeiro tento, o centroavante Luciano, desdenhando dos protestos do grupo de detratores da redonda- que inclui, entre eles, Messi, eleito o melhor do mundo em 2009.
Do lado dos perdedores, o carinho com a Jabulani se mostrou em palavras sinceras. "Ela é legal, eu é que sou grosso mesmo", admitiu o meio-campista Evandro.
Ao final da jornada, Jabulani beijou a rede mais do que em boa parte dos jogos desta Copa do Mundo.
Ainda foi alvo de disputa. "Vocês [da Folha] vieram aqui, foram bem tratados. Agora deixa a bola", pediu um dos craques do América.
"Ou vocês levam a bola ou a câmera", disse outro, em tom meio ameaçador, meio brincalhão. A câmera voltou.
A Jabulani também.


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