São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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FUTEBOL

Bom e mau humor

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Antes da partida do Corinthians contra o Pumas do México, Antônio Lopes disse que o fisiologista Renato Lotufo escalaria o time, pois havia muitos jogadores cansados.
Para medir a fadiga dos atletas, o fisiologista, segundo noticiários, utiliza a variação da freqüência cardíaca, a dosagem da enzima ck, que aumenta quando o jogador está cansado, e um questionário para avaliar o humor e o estresse.
Essa avaliação é mais uma constatação da evolução científica das comissões técnicas dos principais clubes e da seleção brasileira. Nisso, o Brasil está, no mínimo, no nível dos países mais adiantados.
Mas esse avanço é mais uma evidência de que o Brasil é o país dos contrastes. De acordo com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mede a qualidade de vida da população, o Brasil está em 63º lugar no mundo, atrás da Argentina (34º), do Chile (37º) e do Uruguai (46º).
Como escreveu José Roberto Torero, em vez de país do futebol, orgulho maior seria se fôssemos o país da democracia, da honestidade, sem fome e sem tanta violência.
Volto às comissões técnicas. Já escrevi que a do Cruzeiro, quando iniciei a minha carreira profissional em 63, era formada por um médico ginecologista, um treinador que dava também os exercícios físicos -eram apenas levantar e abaixar os braços e testar o reflexo por meio da brincadeira do "macaco disse"-, um auxiliar que apitava os treinos e tratava da burocracia, um massagista que era também responsável pelos assuntos sobrenaturais e um enfermeiro que cuidava ainda do humor dos atletas.
Hoje, as comissões técnicas dos principais clubes e da seleção possuem um grande número de ótimos especialistas, fora os assessores e seguranças. Apesar de todo esse avanço científico e do exemplo de outros esportes, muitos dirigentes, treinadores e até médicos não gostam de psicólogos. Acham que eles podem "fazer a cabeça" dos jogadores. Muitos técnicos só gostam de atletas obedientes e conformados.
Em vez dos psicólogos, muitos clubes preferem os motivadores, com seus discursos óbvios e redundantes, para darem palestras antes das partidas.
Poucos técnicos, como Luxemburgo e Felipão, utilizam o trabalho constante dos psicólogos. Zagallo e Parreira preferem o engenheiro motivador Evandro Mota, que dá palestras para a atual seleção e participou da Copa de 98, quando Zagallo era o treinador.
Depois que se tornou diretor das categorias de base da CBF, o ex-jogador Branco trocou o trabalho da psicóloga pelas palestras do Evandro Mota. Não foi por isso que a seleção perdeu vários títulos nos últimos anos nas categorias sub-17 e sub-20 e a sub-23 foi desclassificada para as olimpíadas, mas foi um retrocesso. Os jovens precisam mais do que os adultos de orientação e de mais apoio psicológico para conter as suas agressividades.
Mas o que estou curioso é para saber os detalhes do questionário sobre o humor e o estresse, adotado pelo competente fisiologista Renato Lotufo, do Corinthians, e que ajuda na avaliação da fadiga. Será que as perguntas foram feitas pelo fisiologista, por um psicólogo ou por um motivador?
Será que o Petkovic, conhecido pelo seu mau humor, passaria nesse teste? Dizem que o Pet joga muito melhor quando está mal-humorado. Conheci vários jogadores com esse comportamento.
Além disso, há algumas pessoas bem-humoradas que são sempre pessimistas, apáticas e pensando em grandes tragédias. Já outras, mal-humoradas, são otimistas e não param de lutar pelos seus objetivos. São as contradições humanas.
Existe ainda um mito no futebol de que todo jogador para se entrosar no grupo precisa ser bem-humorado, extrovertido e saber tocar, dançar e cantar samba. Quando os jovens assistem pela TV ao Ronaldinho Gaúcho fazer tudo isso com um enorme sorriso, querem fazer o mesmo, já que não podem imitá-lo em campo.
Mesmo após o noticiário do escândalo do apito, imagino que o ex-árbitro Edilson Pereira de Carvalho tiraria uma boa nota no teste de estresse e humor. Ele contou todos os detalhes para os repórteres do que fez sem nenhuma vergonha, nenhum sentimento de culpa e sem estresse. Para o árbitro, seu único erro foi ter sido descoberto. Se não fosse isso, ele se consideraria um homem esperto e de bem.


E-mail - tostao.folha@uol.com.br


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