|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Copa
DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Foi no domingo, escandaloso
de tanta beleza, que assisti à
minha primeira prova de um
Pan: a final masculina do vôlei
de praia. Havia a tenda de uma
telefônica (só elas mesmo) para
seus convidados, com ar-refrigerado, onde garçons serviam,
como se estivessem numa festa
de embaixada, champanhe (nacional), cerveja e refrigerantes,
tudo muito gelado, e uma enorme variedade de canapés, fresquinhos, feitos na hora. No nível das tendas VIP nas Copas de
EUA e França.
O jogo começava às 15h, e às
14h30 já estávamos sentados
nos nossos lugares, numerados,
debaixo de um sol de torrar
-mas não se pode querer tudo.
Um parágrafo sobre os cariocas: seria justo dizer que só eles
têm tanta alegria, entusiasmo e
participam tanto em acontecimentos festivos, sejam de que
ordem for; e também que só um
carioca consegue ser tão cafajeste, em certos momentos.
Vamos esclarecer: cafajeste
no melhor sentido, no do deboche, da falta de respeito, da gozação em relação a qualquer assunto, mas sempre, e só, na
brincadeira; nada a ver com as
pesadas cafajestadas de Brasília. Tente ouvir a conversa de
três cariocas num balcão de bar
e você vai me entender.
Continuando: antes das duplas entrarem em quadra,
quando anunciaram o nome do
juiz que iria apitar o jogo, alguém já gritou: "Juiz ladrão".
Convenhamos: é uma cafajestada, mas muito engraçada.
Xingar o juiz de ladrão antes de
o jogo começar? Tive que rir.
Quando as equipes entraram
a coisa ficou mais pesada: vaiaram os americanos. E durante o
jogo, a cada vez que nossos adversários erravam uma jogada,
eram vaiados, o que teria sido
perfeitamente dispensável.
Foi tudo tão perfeito que até
nos uniformes eles acertaram:
na hora de subir ao pódio, seis
meninas com umas roupinhas
lindas entraram na arena, todas
com um rabo-de-cavalo igual.
Coincidência? Duvido.
O Brasil tem má memória:
depois da tragédia de São Paulo, as autoridades, num bonito
gesto, decidiram que na hora da
premiação as bandeiras passariam a subir a meio pau. Qual o
quê: as bandeiras foram hasteadas até em cima, como antes.
A vitória brasileira foi uma
emoção, claro; mas uma emoção rápida, superficial, e minutos depois já se falava de outra
coisa. Como é diferente um Pan
de uma Copa do Mundo. Quatro anos antes começam as discussões sobre quem será o técnico, depois são as eliminatórias, a convocação, e cada brasileiro participa pessoalmente de
tudo que acontece, mesmo que
não seja louco por futebol.
Um Pan é bacana, mas fugaz.
E só fica na memória dos que
são diretamente envolvidos no
acontecimento. Guarda-se na
cabeça por uns dias o número
de ouros dos brasileiros, mas
logo se esquece; não se debate,
não se discute acaloradamente,
como no futebol, discussões
que podem durar meses.
A Copa toca fundo no coração e na alma do país inteiro;
não é uma festa mas um combate, em que precisamos vencer de todas as maneiras. Muita
gente sabe a escalação e de
quem foram os gols de todas as
Copas, e até eu sei que foi Vavá
quem fez dois gols contra a
Rússia e foi um gol de Pelé contra o País de Gales que nos classificou. Futebol é paixão; Pan,
uma transa que logo se esquece,
mesmo que tenha sido ótima.
Emoção mesmo foi ver Copacabana: as pessoas passeando
alegres, num astral que parecia
até que havíamos voltado no
tempo. Porque houve um tempo, antes de a avenida Atlântica
ser alargada e o mar recuado,
que os domingos eram assim:
nas areias jogava-se peteca, na
praia só existiam casas e o Copacabana Palace, a pista era estreita, as calçadas também, e o
mar era bem pertinho.
Tão pertinho que quando havia ressacas (e já existiam edifícios) o mar atravessava a rua e
inundava as garagens dos prédios, estragando os carros.
Passeava-se no calçadão à
noite (moças de família só até
as 22h), no espaço de no máximo dois quarteirões, e às vezes
tomavam um "chicabon". Os
rapazes que tinham carro iam
do Leme ao Posto 6 e voltavam,
e assim começavam namoros.
Mas, se as mais livres ousavam entrar no carro de um deles, se abaixava quando pressentia que alguém podia vê-la.
Ir até o Arpoador era proibido pelos pais, e subir a av. Niemeyer e ir até o Joá, só as já perdidas. A palavra estresse não
existia, ninguém tinha medo, e
eram todos felizes apenas por
estarem passeando no lugar
mais bonito do mundo. E havia
coisa melhor? Quando a areia
ficou maior, começou o vôlei de
praia, o frescobol, e as moças
passaram a passear, ou melhor,
se exibir, andando perto do
mar. E não tinha celulares, que
ainda tiram fotos, esta praga.
Éramos felizes e não sabíamos.
Texto Anterior: Organização: Fornecedor põe culpa no Co-Rio por falhas Próximo Texto: Eleonora Gosman: O Pan e o futuro do esporte
Índice
|