São Paulo, terça-feira, 24 de julho de 2007

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Copa

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Foi no domingo, escandaloso de tanta beleza, que assisti à minha primeira prova de um Pan: a final masculina do vôlei de praia. Havia a tenda de uma telefônica (só elas mesmo) para seus convidados, com ar-refrigerado, onde garçons serviam, como se estivessem numa festa de embaixada, champanhe (nacional), cerveja e refrigerantes, tudo muito gelado, e uma enorme variedade de canapés, fresquinhos, feitos na hora. No nível das tendas VIP nas Copas de EUA e França.
O jogo começava às 15h, e às 14h30 já estávamos sentados nos nossos lugares, numerados, debaixo de um sol de torrar -mas não se pode querer tudo.
Um parágrafo sobre os cariocas: seria justo dizer que só eles têm tanta alegria, entusiasmo e participam tanto em acontecimentos festivos, sejam de que ordem for; e também que só um carioca consegue ser tão cafajeste, em certos momentos.
Vamos esclarecer: cafajeste no melhor sentido, no do deboche, da falta de respeito, da gozação em relação a qualquer assunto, mas sempre, e só, na brincadeira; nada a ver com as pesadas cafajestadas de Brasília. Tente ouvir a conversa de três cariocas num balcão de bar e você vai me entender.
Continuando: antes das duplas entrarem em quadra, quando anunciaram o nome do juiz que iria apitar o jogo, alguém já gritou: "Juiz ladrão". Convenhamos: é uma cafajestada, mas muito engraçada. Xingar o juiz de ladrão antes de o jogo começar? Tive que rir.
Quando as equipes entraram a coisa ficou mais pesada: vaiaram os americanos. E durante o jogo, a cada vez que nossos adversários erravam uma jogada, eram vaiados, o que teria sido perfeitamente dispensável.
Foi tudo tão perfeito que até nos uniformes eles acertaram: na hora de subir ao pódio, seis meninas com umas roupinhas lindas entraram na arena, todas com um rabo-de-cavalo igual. Coincidência? Duvido.
O Brasil tem má memória: depois da tragédia de São Paulo, as autoridades, num bonito gesto, decidiram que na hora da premiação as bandeiras passariam a subir a meio pau. Qual o quê: as bandeiras foram hasteadas até em cima, como antes.
A vitória brasileira foi uma emoção, claro; mas uma emoção rápida, superficial, e minutos depois já se falava de outra coisa. Como é diferente um Pan de uma Copa do Mundo. Quatro anos antes começam as discussões sobre quem será o técnico, depois são as eliminatórias, a convocação, e cada brasileiro participa pessoalmente de tudo que acontece, mesmo que não seja louco por futebol.
Um Pan é bacana, mas fugaz. E só fica na memória dos que são diretamente envolvidos no acontecimento. Guarda-se na cabeça por uns dias o número de ouros dos brasileiros, mas logo se esquece; não se debate, não se discute acaloradamente, como no futebol, discussões que podem durar meses.
A Copa toca fundo no coração e na alma do país inteiro; não é uma festa mas um combate, em que precisamos vencer de todas as maneiras. Muita gente sabe a escalação e de quem foram os gols de todas as Copas, e até eu sei que foi Vavá quem fez dois gols contra a Rússia e foi um gol de Pelé contra o País de Gales que nos classificou. Futebol é paixão; Pan, uma transa que logo se esquece, mesmo que tenha sido ótima.
Emoção mesmo foi ver Copacabana: as pessoas passeando alegres, num astral que parecia até que havíamos voltado no tempo. Porque houve um tempo, antes de a avenida Atlântica ser alargada e o mar recuado, que os domingos eram assim: nas areias jogava-se peteca, na praia só existiam casas e o Copacabana Palace, a pista era estreita, as calçadas também, e o mar era bem pertinho.
Tão pertinho que quando havia ressacas (e já existiam edifícios) o mar atravessava a rua e inundava as garagens dos prédios, estragando os carros.
Passeava-se no calçadão à noite (moças de família só até as 22h), no espaço de no máximo dois quarteirões, e às vezes tomavam um "chicabon". Os rapazes que tinham carro iam do Leme ao Posto 6 e voltavam, e assim começavam namoros.
Mas, se as mais livres ousavam entrar no carro de um deles, se abaixava quando pressentia que alguém podia vê-la.
Ir até o Arpoador era proibido pelos pais, e subir a av. Niemeyer e ir até o Joá, só as já perdidas. A palavra estresse não existia, ninguém tinha medo, e eram todos felizes apenas por estarem passeando no lugar mais bonito do mundo. E havia coisa melhor? Quando a areia ficou maior, começou o vôlei de praia, o frescobol, e as moças passaram a passear, ou melhor, se exibir, andando perto do mar. E não tinha celulares, que ainda tiram fotos, esta praga. Éramos felizes e não sabíamos.


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