São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 2001

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FUTEBOL

Um outro 1970

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

E ra o já distante ano de 1970. O Brasil vivia o auge do desenvolvimento com o ""milagre econômico" e, ao mesmo tempo, o auge da repressão.
A tortura e a censura à imprensa corriam soltas.
Já o país corria em busca do tricampeonato mundial de futebol e da posse definitiva da Jules Rimet.
A música de maior sucesso nas ruas começava com os versos ""Noventa milhões em ação/pra frente Brasil/salve a seleção..."
O início da Copa do México foi promissor.
A seleção começou com vitórias atrás de vitórias.
Isso sem falar no futebol de alta categoria e em alguns lances enciclopédicos como o gol que Pelé marcou no goleiro tcheco Viktor: o camisa dez brasileiro percebeu o arqueiro em posição adiantada e mandou, ainda do seu campo defensivo, um tiro por cobertura que estufou as redes do estádio Jalisco.
Nem mesmo o goleiro inglês Gordon Banks, famoso por suas defesas impossíveis, conseguiu deter o ataque brasileiro.
No jogo Brasil x Inglaterra, o time canarinho venceu por fáceis 2 a 0, com mais um gol de Pelé, uma perfeita cabeçada no canto esquerdo que o arqueiro inglês quase defendeu.
Na semifinal, contra o Uruguai de Pedro Rocha, novo show da seleção e novo gol antológico de Pelé, que, após um sensacional drible sem bola no goleiro Mazurkiewicz, mandou a bola para as redes.
A grande decisão seria contra a Itália, que tinha uma equipe apenas esforçada e vinha de uma batalha exaustiva contra a seleção da Alemanha Ocidental na semifinal.
A partida foi marcada para o estádio Azteca, na Cidade do México, onde a nossa seleção contava com a simpatia da torcida local.
Aqui no Brasil, boa parte dos torcedores acompanhou a decisão contra os italianos ao vivo, pois em muitos lares já havia tevês em preto-e-branco.
Para desespero de toda essa torcida, no entanto, o jogo estava duro, equilibrado.
Pelé teve uma boa chance para estrear o marcador com uma cabeçada, mas Zoff salvou a Itália milagrosamente, fazendo a defesa que Banks não fez.
Depois, para piorar, a Itália abriu a contagem.
Clodoaldo bobeou, tentando dar um passe de calcanhar, e Boninsegna não perdoou.
No começo do segundo tempo, o Brasil quase conseguiu o empate com um tremendo chute de Gérson, que passou por dois italianos e chutou com a canhota.
Mas a bola acabou batendo na trave. E o 0 a 1 insistia em não sair do placar.
Aos 35min do segundo tempo, Jairzinho, depois chamado de ""O Furão da Copa", perdeu uma chance quase embaixo do gol, depois de um belo passe de cabeça de Pelé.
Mais uma derradeira oportunidade ainda aconteceria.
Pelé, como se tivesse um olho na nuca, toca para Carlos Alberto no bico da área.
O capitão da seleção brasileira prepara-se para disparar um petardo fulminante, mas, quando chuta, é seu tênis que vai para as redes enquanto a bola, zombeteira, saía pela lateral.
A Itália vence e é tricampeã. Fica em definitivo com a taça Jules Rimet.
Foi então que a esquerda aproveitou-se da decepção nacional e tentou mobilizar as massas.
Até criaram uma nova letra para o hino da Copa, uma letra que começava com os versos: ""Noventa milhões em ação/chega, Brasil/viva a revolução...".
No começo, o movimento realmente ganha as ruas, mas então o presidente Médici aumenta ainda mais a repressão.
Milhares de brasileiros são assassinados.
Tanques e soldados ocupam as principais avenidas do país.
O general Médici decide acabar até com as eleições indiretas, tornando-se o ditador brasileiro por 15 anos, seguindo o exemplo de Pinochet.
Só em 1985 é que ele vai permitir uma eleição direta.
Com óbvias fraudes eleitorais, o vencedor da votação é um homem do governo: o ex-governador Paulo Maluf.
Fazendo enormes túneis que ligam as principais cidades brasileiras, Maluf consegue manter um bom nível de aceitação entre as pessoas da classe baixa, que sonham em ter carros para passar em seus túneis.
Assim, Maluf consegue fazer seu sucessor, o então ministro da Fazenda, Celso Pitta.
Mas então, no dia da posse, os túneis cavados por todo o país começam a ruir, e o país é tragado para dentro da terra.
E deixa de existir um lugar chamado Brasil.
E-mail : torero@uol.com.br

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