São Paulo, sábado, 26 de março de 2011

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RITA SIZA

Ainda não é hora


Sendo certo que o esporte é festa e celebração, é apropriado ignorar a dor e a tragédia?


NO JAPÃO, estava previsto para ontem o início da temporada de beisebol, um dos esportes mais populares do país. Tendo em conta a magnitude da tragédia do dia 11 de março, a federação decidiu adiar o arranque da época. Haverá jogos em abril, e mesmo aí em condições especiais, decidiram os promotores do beisebol, num compromisso destinado a acalmar uma opinião pública em choque.
Foi uma decisão polémica -e, quanto a mim, acertada. Alguns donos de clubes argumentavam que o calendário devia se manter, mas os jogadores prometeram não comparecer se fossem convocados, e os fãs não esconderam o seu ressentimento com o que consideraram ser a insensibilidade para com a sua situação. A controvérsia escalou de tal maneira que o governo foi obrigado a intervir.
Enquanto jornalista, cobri outros desastres em que os dirigentes esportivos e os governantes se confrontaram com o mesmo dilema: sendo certo que o esporte é festa e celebração, será que é apropriado ignorar a dor e a tragédia? Não será de mau gosto comemorar triunfos quando milhares de pessoas permanecem sem casa, sem energia, sem saber do destino dos seus familiares e amigos? E com a economia de rastos, as empresas e as escolas fechadas, não deverão usar- -se os recursos para o que é verdadeiramente essencial?
Mas, ao mesmo tempo, não é também o esporte um dos mais poderosos exemplos de superação das adversidades, de perseverança e regeneração, de união e galvanização da sociedade? Não seria um conforto aos adeptos, um regresso à normalidade num quotidiano virado ao avesso, poder ver o jogo e por momentos esquecer suas dificuldades?
Foi esse o pensamento em 1995, quando a cidade de Kobe foi destruída por um terramoto. O campeonato não parou, e o clube local, o Orix Blue Wave, acabou mesmo por surpreendentemente ganhar a Liga do Pacífico. Essa vitória foi um importante sinal de coragem, de força e resiliência e a mais cabal demonstração da capacidade de reconstrução na sequência de acontecimentos terríveis.
Mas, desta vez, a dimensão do desastre é avassaladora. Metade dos clubes que disputam as ligas Central e Pacífica de beisebol no Japão são das duas províncias mais afetadas pelo terramoto e tsunami. Um jogador dos Seibu Lions, Yusei Kikuchi, contava ao "New York Times" como tudo na sua vida, e não só o campo de treinos ou a praia onde passeava com a família, tinham sido arrasados. "Honestamente, não consigo entender como se pode encorajar alguém a vir ao beisebol", desabafou.
O esporte pode muita coisa, mas tem alturas que não pode quase nada.


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