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São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003

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FUTEBOL

Entusiasmo, desânimo, entusiasmo...

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

"Ciclotimia: Instabilidade persistente do humor que leva a uma alternância sucessiva de períodos de depressão e outros de hiperatividade ou de excitação." (do Dicionário de Termos Relacionados à Dor, no portal Dor on Line).
Existe definição melhor para o estado de ânimo do torcedor brasileiro? Ou de todo brasileiro, como já escreveram, entre outros, Daniel Piza e Matthew Shirts. Mas, nessa alegoria chamada esporte, a ciclotimia se manifesta com esplêndido vigor.
Em breves 90 minutos, o torcedor se transfigura várias vezes: uma hora vaia seu time com ódio e desgosto, xinga a terceira geração do centroavante; manda todo mundo para o inferno. Dali a pouco é capaz de urrar de alegria e orgulho desse time que não tem igual, que não tem pra ninguém, que é o terror dos adversários e, sem dúvida, vai ser campeão.
Mas, se o comentarista disser, no primeiro tempo, que "fulano não está fazendo nada" e, no segundo, fizer um golaço, o torcedor não vai perdoar. Vai dizer que a besta do comentarista errou.
Às vezes, eles concordam, mas não adianta. O fanático sai da lista de discussões na internet, onde escreveu que "esses m. ganham muito dinheiro, mas não fazem p. nenhuma", e ouve na TV que seu time é medíocre e não chegará a lugar nenhum. Volta à internet: "medíocre é essa mídia de m. que só dá valor a seus queridinhos".
Por outro lado, elogios -ao Santos, a Diego e Robinho, Kaká, Ronaldo, Romário ou qualquer outro- também despertam ira e indignação. A cada tropeço do elogiado, você é intimado: "Cadê o craque? Cadê o melhor time do Brasil? É tudo produto de mídia, tá mais do que provado!".
Acho que essa desconfiança é típica mesmo do torcedor. Se um artista lança um disco maravilhoso e não passa disso, ele é chamado de "one-hit-wonder", ou a maravilha de um sucesso só. Pode-se até desconfiar da máquina da gravadora que o promoveu, mas aquela música gostosa, bem-feitinha, de boas lembranças, vai continuar sendo uma das suas favoritas, mesmo que o autor desapareça. Grandes atores às vezes fazem filmes medíocres, com roteiros e diretores ruins, e são criticados por isso, mas ainda têm o crédito por seus bons momentos. No esporte, não -se o Guga nunca mais for o número um, vão dizer que aquilo tudo foi sorte. Que os outros é que eram ruins.
Sem entrar no papo bom sobre como definir um craque, só queria dizer o seguinte: para mim, Kaká, Robinho e Diego fizeram até agora, em suas curtas carreiras, muito mais coisas boas (lances geniais, jogadas bonitas e decisivas) do que a maioria de seus contemporâneos em tempo equivalente. Se vão manter essa incidência daqui para a frente, não sei. Mas, até aqui, não foram "normais", comuns. Me dou o direito de não achar a menor graça nos seus jogos ruins e de achar muita graça nos momentos bons, deles e de todos os outros, sem decidir que o momento brilhante ou o medíocre é que é o "definitivo". E sem ciclotimizar, eu espero!

Bairrismo??
Um torcedor do Cruzeiro viu nos meus protestos contra a "escalação" brasileira na Copa Sul-Americana "mais uma manobra bairrista dos paulistas". Quebro a cabeça imaginando que vantagem eu levo defendendo os direitos do Atlético-MG e do Juventude e não acho uma. Outros reclamam do destaque dado ao Alexandre Kalil, que seria prepotente, interesseiro etc. Entendo a preocupação, mas em situação idêntica, eu defenderia o Vasco "do Eurico", o Paysandu "do Tourinho" ou qualquer outro. São os times que estão sendo prejudicados, não apenas os cartolas. E o benefício que pode surgir dessa briga é a possibilidade de ter o futebol administrado com mais honestidade, o que é bom também para os cruzeirenses.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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