São Paulo, sábado, 27 de fevereiro de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

Barbárie e cidadania


Não há soluções mágicas para a violência entre as torcidas, mas "civilizar" as organizadas pode ajudar


TODA VEZ que os confrontos entre torcedores terminam em morte, como ocorreu nesta semana em São Paulo, proliferam as soluções salvadoras.
As mais frequentes são simplistas e inócuas, como a de permitir a entrada no estádio de só uma torcida, a do clube mandante da partida. Ideia antes de tudo burra, porque os combates não costumam ocorrer dentro dos estádios, mas em ruas, praças, estradas, estações de metrô. Com a restrição, prosseguiriam ocorrendo, talvez até mais acirrados.
Pelo mesmo motivo, teria pouco efeito prático a sugestão de fundo elitista (e veladamente racista) de elevar ainda mais o preço dos ingressos, com o intuito de "selecionar" os torcedores. Como se pobre fosse sinônimo de bandido, e da classe média para cima fôssemos todos civilizados.
Uma saída autoritária e igualmente inviável que sempre alguém propõe é a extinção pura e simples das torcidas ditas organizadas. Associações populares, com raízes e tentáculos nos bairros pobres de São Paulo, agremiações como a Gaviões da Fiel, a Mancha Alviverde e a Independente contam com dezenas de milhares de filiados e desenvolvem atividades que transcendem o âmbito do futebol.
Extingui-las sumariamente privaria milhares de jovens de ter, bem ou mal, um esboço de socialização, de sentimento de pertencer a uma coletividade e se identificar com ela, num país em que os laços de organização social são tão frouxos.
O que fazer então? Parto do princípio de que não há soluções mágicas. O Brasil não se civilizará da noite para o dia, não apagará por decreto os desajustes sociais, a ignorância, a cidadania precária. Temos um processo lento e penoso pela frente.
Mas algumas mudanças podem e devem ser implantadas o quanto antes. Por exemplo: é urgente que seja aprovada no Congresso a alteração do Estatuto do Torcedor que, entre outras coisas, responsabiliza civilmente as organizadas pelas ações de seus membros.
Isso é básico. Se um sujeito com uma camisa da Gaviões ou da Mancha agride ou mata alguém, deve ser preso, julgado e punido como qualquer criminoso. Mas, além disso, a entidade a que ele pertence, e em nome da qual diz estar "combatendo", tem que responder à Justiça.
Não é à toa que as organizadas têm feito pressão contra essa mudança na lei. Elas se habituaram, nos últimos anos, a uma situação paradoxal.
De um lado, são estigmatizadas por grande parte da mídia e da opinião pública quase como agremiações criminosas ou milícias paramilitares. Por outro, contam com uma série de privilégios concedidos pelos clubes (ingressos facilitados, ajuda com transporte, participação em reuniões de direção) e até pela PM, que escolta seus membros na entrada ao estádio em dias de jogo.
Hoje em dia é o torcedor comum, não vinculado a nenhuma organizada, que é discriminado, enfrentando dificuldades muito maiores para conseguir ingresso, acesso ao estádio e segurança.
Com mudança na lei e na atitude da Justiça e da polícia, as organizadas terão de se civilizar na marra, incorporando-se à sociedade e deixando de ser as aterrorizantes excrescências em que se transformaram.

jgcouto@uol.com.br


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