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Presidente da federação paulista seria o favorecido em dois documentos cujo valor total soma US$ 1,2 milhão
Cheque de 98 indica depósito para Farah
DA REPORTAGEM LOCAL
EM SÃO PAULO
A quantia de US$ 1,2 milhão paga à Federação Paulista de Futebol pelo clube francês Bastia com
um cheque e uma espécie de promissória datados de julho e dezembro de 1998 só chegou em novembro de 2000 à conta da entidade no Banco do Brasil.
Cópias do cheque e da letra de
câmbio (contrato de promessa de
pagamento entre duas partes, como uma nota promissória) arquivadas pelo clube mostram que o
favorecido teria sido o presidente
da FPF, Eduardo José Farah.
O cheque de US$ 600 mil é cruzado, não-endossável e nominal,
tendo Farah como o favorecido.
Se o documento for verdadeiro,
só poderia ter sido depositado em
uma conta dele.
A letra de câmbio ("lettre de
change", em francês), também de
US$ 600 mil, teve igualmente Farah como o favorecido, conforme
cópia que o Bastia (pronuncia-se
"Bastiá") mostrou a funcionários
da Fifa (entidade dirigente do futebol mundial) e a Folha obteve.
Os bastidores do episódio em
que dinheiro destinado à FPF teria ido parar em contas do seu
presidente na Suíça, conforme os
papéis do Bastia indicam, começam a ser revelados devido a um
litígio entre o clube francês e a entidade paulista.
Em julho de 1998, a FPF cedeu o
jogador polonês Mariusz Piekarski ao Bastia por US$ 1,8 milhão,
em três parcelas de US$ 600 mil.
A primeira foi paga com um
cheque de 23 de julho de 1998; a
segunda, com uma letra de câmbio para resgate em 31 de dezembro de 1998; a terceira, outra letra
de câmbio para 30 de junho de
1999, não foi honrada pela agremiação européia.
Por isso, em julho de 2000, a FPF
recorreu à Fifa em busca dos US$
600 mil restantes previstos no
contrato, cuja cópia, obtida pela
Folha, foi reconhecida pelo vice-presidente de Finanças da FPF,
Reynaldo Carneiro Bastos.
O US$ 1,2 milhão pago pelo clube francês, no entanto, só entrou
no Brasil -numa conta da FPF
do Banco do Brasil- em novembro de 2000, como registra o contrato de câmbio op. 00/044884 do
Banco Central.
O contrato de câmbio não registra a entrada do dinheiro que a
aplicação na Europa (US$ 600 mil
por 2 anos e 4 meses e US$ 600 mil
por 1 ano e 11 meses) poderia ter
rendido.
Projeção de operadores do sistema financeiro consultados pela
Folha aponta para o rendimento
possível de cerca de US$ 250 mil
neste período.
Pedágio
Duas semanas após a Folha iniciar uma investigação internacional sobre o caso com busca de documentos e entrevistas pessoais e
telefônicas no Brasil, França, Suíça, Polônia e Uruguai, Eduardo
José Farah se licenciou, em 18 de
janeiro, da FPF, surpreendendo o
meio esportivo com sua ausência
da abertura do Campeonato Paulista de 2001. Assessores disseram
que ele foi descansar. Deve voltar
nesta semana.
O vice de Finanças da entidade
afirmou que nenhum dinheiro
destinado à FPF faz escala, paga
pedágio ou fica de vez em conta
bancária de Farah (leia entrevista
na página ao lado).
Reynaldo Carneiro Bastos disse
que as cópias do cheque e da letra
de câmbio são falsas, mas não
mostrou cópias diferentes. O vice
de Farah afirmou que o US$ 1,2
milhão só entrou no Brasil em novembro de 2000 porque o Bastia
atrasou o pagamento.
Em julho de 2000, porém, a FPF
recorreu à Fifa por US$ 600 mil,
contando ter recebido US$ 1,2 milhão. A Folha apurou que em 1999
a FPF já reivindicava ""apenas"
US$ 600 mil, e não US$ 1,8 milhão. Ou seja: US$ 1,2 milhão já teria sido pago.
A FPF comprou Piekarski do
clube uruguaio Rentistas, em janeiro de 1998, no projeto de fortalecer equipes para a disputa do
Campeonato Paulista. Cedeu o
atleta ao Mogi Mirim até meados
daquele ano.
CPIs
Curiosamente, o US$ 1,2 milhão
só deu entrada no Brasil depois
de: o clube francês mostrar na Europa, com reservas, cópias do
cheque e da letra de câmbio com o
nome de Farah; de deputados
paulistas recolherem assinaturas
suficientes para propor a instalação na Assembléia de uma CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) com o objetivo de investigar o dirigente e a FPF; de as
CPIs criadas pela Câmara e o Senado para apurar irregularidades
no futebol passarem a discutir a
quebra dos sigilos fiscal e bancário da federação e seu presidente.
Em 8 de novembro do ano passado, Farah ameaçou renunciar e
dissolver a FPF. No dia seguinte, o
Banco do Brasil informou a entidade sobre o depósito de US$
1.199.980, sendo remetente declarado o Bastia.
Segundo documento em poder
do clube francês, o cheque e a letra
de câmbio emitidos para o pagamento de Piekarski teriam ido parar em agências bancárias da Suíça, país onde o sigilo bancário é rigoroso.
O cheque de US$ 600 mil era de
conta do Bastia no banco francês
Crédit Agricole de la Corse. A letra de câmbio tinha indicação para resgate no mesmo banco.
Em 20 de novembro de 2000, de
acordo com cópia guardada pelo
Bastia, o clube recebeu uma declaração do Crédit Agricole de la
Corse.
O Departamento de Operações
Bancárias responde a uma carta
do Bastia de quatro dias antes e
afirma: o cheque de US$ 600 mil
foi apresentado para pagamento
por uma agência de Lausanne
(Suíça) do banco Crédit Agricole
Indosuez.
A letra de câmbio de US$ 600
mil foi apresentada por agência
de Genebra (também na Suíça) do
Crédit Agricole Indosuez.
A qualidade das cópias do cheque e da carta do banco não permite comprovar com absoluta
certeza se os sete números citados
pelo Crédit Agricole de la Corse
na declaração são os do cheque,
mas cinco números, na ordem
correta, parecem ser iguais.
A letra de câmbio é de 31 de dezembro de 1998, e não da véspera,
como previa o contrato. A carta
do banco confirma a data do documento e o valor de US$ 600 mil.
(JORGE ARAÚJO E MÁRIO MAGALHÃES)
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