São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

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Presidente da federação paulista seria o favorecido em dois documentos cujo valor total soma US$ 1,2 milhão

Cheque de 98 indica depósito para Farah

DA REPORTAGEM LOCAL

EM SÃO PAULO

A quantia de US$ 1,2 milhão paga à Federação Paulista de Futebol pelo clube francês Bastia com um cheque e uma espécie de promissória datados de julho e dezembro de 1998 só chegou em novembro de 2000 à conta da entidade no Banco do Brasil.
Cópias do cheque e da letra de câmbio (contrato de promessa de pagamento entre duas partes, como uma nota promissória) arquivadas pelo clube mostram que o favorecido teria sido o presidente da FPF, Eduardo José Farah.
O cheque de US$ 600 mil é cruzado, não-endossável e nominal, tendo Farah como o favorecido. Se o documento for verdadeiro, só poderia ter sido depositado em uma conta dele.
A letra de câmbio ("lettre de change", em francês), também de US$ 600 mil, teve igualmente Farah como o favorecido, conforme cópia que o Bastia (pronuncia-se "Bastiá") mostrou a funcionários da Fifa (entidade dirigente do futebol mundial) e a Folha obteve.
Os bastidores do episódio em que dinheiro destinado à FPF teria ido parar em contas do seu presidente na Suíça, conforme os papéis do Bastia indicam, começam a ser revelados devido a um litígio entre o clube francês e a entidade paulista.
Em julho de 1998, a FPF cedeu o jogador polonês Mariusz Piekarski ao Bastia por US$ 1,8 milhão, em três parcelas de US$ 600 mil.
A primeira foi paga com um cheque de 23 de julho de 1998; a segunda, com uma letra de câmbio para resgate em 31 de dezembro de 1998; a terceira, outra letra de câmbio para 30 de junho de 1999, não foi honrada pela agremiação européia.
Por isso, em julho de 2000, a FPF recorreu à Fifa em busca dos US$ 600 mil restantes previstos no contrato, cuja cópia, obtida pela Folha, foi reconhecida pelo vice-presidente de Finanças da FPF, Reynaldo Carneiro Bastos.
O US$ 1,2 milhão pago pelo clube francês, no entanto, só entrou no Brasil -numa conta da FPF do Banco do Brasil- em novembro de 2000, como registra o contrato de câmbio op. 00/044884 do Banco Central.
O contrato de câmbio não registra a entrada do dinheiro que a aplicação na Europa (US$ 600 mil por 2 anos e 4 meses e US$ 600 mil por 1 ano e 11 meses) poderia ter rendido.
Projeção de operadores do sistema financeiro consultados pela Folha aponta para o rendimento possível de cerca de US$ 250 mil neste período.

Pedágio
Duas semanas após a Folha iniciar uma investigação internacional sobre o caso com busca de documentos e entrevistas pessoais e telefônicas no Brasil, França, Suíça, Polônia e Uruguai, Eduardo José Farah se licenciou, em 18 de janeiro, da FPF, surpreendendo o meio esportivo com sua ausência da abertura do Campeonato Paulista de 2001. Assessores disseram que ele foi descansar. Deve voltar nesta semana.
O vice de Finanças da entidade afirmou que nenhum dinheiro destinado à FPF faz escala, paga pedágio ou fica de vez em conta bancária de Farah (leia entrevista na página ao lado).
Reynaldo Carneiro Bastos disse que as cópias do cheque e da letra de câmbio são falsas, mas não mostrou cópias diferentes. O vice de Farah afirmou que o US$ 1,2 milhão só entrou no Brasil em novembro de 2000 porque o Bastia atrasou o pagamento.
Em julho de 2000, porém, a FPF recorreu à Fifa por US$ 600 mil, contando ter recebido US$ 1,2 milhão. A Folha apurou que em 1999 a FPF já reivindicava ""apenas" US$ 600 mil, e não US$ 1,8 milhão. Ou seja: US$ 1,2 milhão já teria sido pago.
A FPF comprou Piekarski do clube uruguaio Rentistas, em janeiro de 1998, no projeto de fortalecer equipes para a disputa do Campeonato Paulista. Cedeu o atleta ao Mogi Mirim até meados daquele ano.

CPIs
Curiosamente, o US$ 1,2 milhão só deu entrada no Brasil depois de: o clube francês mostrar na Europa, com reservas, cópias do cheque e da letra de câmbio com o nome de Farah; de deputados paulistas recolherem assinaturas suficientes para propor a instalação na Assembléia de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) com o objetivo de investigar o dirigente e a FPF; de as CPIs criadas pela Câmara e o Senado para apurar irregularidades no futebol passarem a discutir a quebra dos sigilos fiscal e bancário da federação e seu presidente.
Em 8 de novembro do ano passado, Farah ameaçou renunciar e dissolver a FPF. No dia seguinte, o Banco do Brasil informou a entidade sobre o depósito de US$ 1.199.980, sendo remetente declarado o Bastia.
Segundo documento em poder do clube francês, o cheque e a letra de câmbio emitidos para o pagamento de Piekarski teriam ido parar em agências bancárias da Suíça, país onde o sigilo bancário é rigoroso.
O cheque de US$ 600 mil era de conta do Bastia no banco francês Crédit Agricole de la Corse. A letra de câmbio tinha indicação para resgate no mesmo banco.
Em 20 de novembro de 2000, de acordo com cópia guardada pelo Bastia, o clube recebeu uma declaração do Crédit Agricole de la Corse.
O Departamento de Operações Bancárias responde a uma carta do Bastia de quatro dias antes e afirma: o cheque de US$ 600 mil foi apresentado para pagamento por uma agência de Lausanne (Suíça) do banco Crédit Agricole Indosuez.
A letra de câmbio de US$ 600 mil foi apresentada por agência de Genebra (também na Suíça) do Crédit Agricole Indosuez.
A qualidade das cópias do cheque e da carta do banco não permite comprovar com absoluta certeza se os sete números citados pelo Crédit Agricole de la Corse na declaração são os do cheque, mas cinco números, na ordem correta, parecem ser iguais.
A letra de câmbio é de 31 de dezembro de 1998, e não da véspera, como previa o contrato. A carta do banco confirma a data do documento e o valor de US$ 600 mil.
(JORGE ARAÚJO E MÁRIO MAGALHÃES)


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