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São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003

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FUTEBOL

Intolerância zero

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Caro leitor, querida leitora, por favor, coloquem V ou F nas frases abaixo:
( ) O Brasil é um país onde há vários preconceitos.
( ) O Brasil é um país onde os preconceitos estão diluídos.
Para mim, as duas frases são verdadeiras.
Há, por exemplo, o preconceito racial. Não há como negar que ele ainda existe, mas também é verdade que ele vem diminuindo, tanto que vem crescendo o número de casamentos inter-raciais. O Brasil não é um feliz caldeirão de raças, mas negros, brancos e amarelos conseguem, pelo menos, conviver em paz.
Há também o preconceito geográfico. Boa parte das pessoas do sul-maravilha torcem o nariz para quem chega de algum lugar ao norte de Niterói. Mesmo assim, creio que os turcos na Alemanha, os mexicanos nos EUA e os africanos na Itália sofrem mais do que os nordestinos no Brasil.
Há o preconceito religioso. Há algumas décadas havia um claro predomínio do catolicismo e olhavam-se as outras religiões com desconfiança, mas hoje pode-se ser budista, taoísta ou xamanista sem muitos problemas. É verdade que vimos nos últimos 20 anos o crescimento de grupos fundamentalistas cristãos, mas, por enquanto, é um fundamentalismo pacífico.
O preconceito em relação ao sexo continua vivo, mas já não tem a força de antigamente. Comparando a vida das mulheres do começo do século passado com as do início deste, podemos ver que a condição feminina melhorou muito. Essa foi uma evolução mundial, mas no Brasil, que vinha de uma sociedade patriarcal rural, foi ainda mais profunda.
Também diminuiu o preconceito em relação à opção sexual. Há cinco décadas pouquíssimas pessoas assumiam em público sua homo ou bissexualidade. Hoje em dia ainda há constrangimento, mas houve gigantesca evolução.
Enfim, o Brasil vem melhorando em relação ao preconceito.
Por conta dessa nossa tolerância, aqui são raros os assassinatos por causa de cor, sexo, religião ou lugar de nascimento. No Brasil, se um grupo muçulmano passa por um grupo judeu, dificilmente temos uma troca de tiros, socos ou mesmo xingamentos. Porém, se torcidas rivais se cruzam na rua, tudo pode acontecer.
Diminui o nosso preconceito quanto a credo, sexo e raça, mas ele aumentou estupidamente em relação ao futebol.
Lembro que logo que cheguei a São Paulo fui ver um Santos x Palmeiras com um amigo palmeirense. Na arquibancada, cada um torceu por seu time, sem problema. Hoje isso seria impossível.
Alguns torcedores são tão retrógrados e preconceituosos que não admitem que alguém torça para outra equipe que não a sua. E algumas torcidas são tão reacionárias que se transformaram numa Ku Klux Klan futebolística.
No Brasil, o maior preconceito, ou pelo menos o fisicamente mais violento, é em relação ao futebol. Os torcedores fanáticos estão contaminados pelo vergonhoso vírus da intolerância.

J
Na década de 30, Jabuticaba era o melhor jogador da cidade de Turvo, em Santa Catarina. Essa era uma verdade clara e translúcida. Mas Jabuticaba não era claro e translúcido. Era negro. Para entrar em campo, os dirigentes obrigavam-no a se cobrir com uma grossa camada de talco, maisena e outras substâncias embranquecedoras. Graças a Jabuticaba, o time ganhava todas as partidas. Mas um dia, no meio do jogo, desabou uma chuva inclemente. O talco, a maisena e as outras substâncias embranquecedoras escorreram pelo corpo de Jabuticaba, e viu-se que ele era negro. Os dirigentes disseram que nada sabiam e que tinham sido enganados. Com os torcedores foi diferente. Na partida seguinte, vieram todos pintados de negro.
E-mail torero@uol.com.br


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