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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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PELÉ OFFSHORE

Contador afirma que ex-ministro dos Esportes nunca declarou à Receita movimentação em paraísos fiscais

Pelé omite conta pessoal nas Bermudas

MÁRIO MAGALHÃES
SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

Contrato anexado a um processo da Justiça do Rio e descoberto pela Folha revela que o ex-ministro dos Esportes Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, abriu e usou uma conta bancária pessoal no Bank of Bermuda, no paraíso fiscal das Bermudas (Caribe).
A manutenção de contas fora do país é permitida pela legislação brasileira, que no entanto obriga o contribuinte a declará-las à Receita Federal.
O contador responsável pelas declarações de renda de Pelé como pessoa física desde a década de 1970, Nilton Chagas, afirma que o maior jogador de futebol da história nunca informou ao fisco a existência de conta no exterior. O motivo, segundo Chagas, é que nunca existiu uma.
A Folha revelou ontem, com base em processos que tramitam na Justiça, que Pelé, 62, e seu ex-sócio Hélio Viana, 45, organizaram seus principais negócios nos últimos 15 anos em torno de empresas de paraísos fiscais.
As firmas Vinas Inc. e PS&M Inc. (Pelé Sports & Marketing Inc.) são das Ilhas Virgens Britânicas; a Leros Ltd., das Bahamas; e a Glory Establishment, de Liechtenstein. Os processos mostram pelo menos cinco contas das empresas no exterior e recibos de depósitos nelas.
Segundo Viana e o contador Chagas, nenhum dos ex-sócios jamais declarou a posse das empresas à Receita porque, afirmam, não são seus donos.
Conforme documento rubricado e assinado por Pelé e reconhecido como autêntico por ele e seus advogados na Justiça, pelo menos uma conta pessoal existe.
Em setembro de 1989 o ex-atleta celebrou contrato com a Focus Communications, da Ilha Jersey, paraíso fiscal do canal da Mancha. O acordo assinado por Pelé determinou onde deveria ser depositada a sua remuneração: no Bank of Bermuda, em Hamilton (capital da colônia britânica), na conta 0141598, em nome de Edson Arantes do Nascimento. A única possibilidade de o pagamento não ser feito nesta conta seria notificação enviada por Pelé.
A correspondência da Focus para Pelé, inclusive com o aviso de depósitos, deveria ser enviada para David R. M. Lang, do Bank of Bermuda, com cópia para o advogado de Pelé em Nova York.
Pelo contrato com a Focus, Pelé receberia apenas US$ 20 mil por dez dias de gravação de programas sobre futebol para a TV.
Em outro trato, exatamente pelos mesmo serviços do antigo jogador, a Focus se comprometia a pagar à Leros Ltd. US$ 480 mil mais 10% do que excedesse a receita bruta de US$ 3 milhões na venda dos programas.
De acordo com um advogado de Pelé em outro processo judicial (2002.209.006075-2, da 1ª Vara Cível da Barra da Tijuca), Arnaldo Blaichman, a Leros Ltd. pertence ao ex-ministro.

Diretor-presidente
O contrato entre Pelé e a Focus foi anexado ao processo 94.001.013187-7 pela empresa International Sports Ltd., também de paraíso fiscal, as Bahamas. O processo, já arquivado, tramitou na 35ª Vara Cível do Rio.
Nasceu de uma ação indenizatória da International Sports contra Pelé, pessoalmente, e a PS&M Inc. Em novembro de 1992, a International Sports e a PS&M Inc. registraram em cartório do Rio um contrato para realizar um projeto ("Pelé's World of Football") com Pelé semelhante ao que ele vendera à Focus, usando outra empresa, a Leros Ltd.
Pelé e a PS&M Inc. prometeram à International Sports exclusividade na "produção de programas similares". Mas, três anos antes, Pelé e a Leros Ltd. haviam assegurado exclusividade por quatro anos à Focus.
Ao rescindir o contrato e pedir reparação, os advogados da International Sports -Raphael de Almeida Magalhães e Alcindo Medeiros Caldas- se referiram à Leros Ltd. e à PS&M Inc. como empresas de propriedade de Pelé.
A Folha não encontrou nos autos rejeição do ex-jogador ou seus representantes a essa afirmação.
Seria difícil: Pelé assinou o contrato com a International Sports na condição de diretor-presidente da PS&M Inc. Hoje, no processo da Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), o advogado Blaichman diz que a empresa pertence a Hélio Viana, e não a Pelé, embora reconheça que o ex-ministro é o dono da Leros Ltd. e da Glory.
Blaichman também sustenta que Pelé ouviu falar da PS&M Inc. pela primeira vez em novembro de 2001, numa série de reportagens da Folha.
Os acordos da Leros e da PS&M Inc. foram celebrados quando Pelé e Viana eram sócios -a ruptura foi em 2001. À Suprema Corte do Estado de Nova York, advogados de Pelé se referiram em 1993 a Viana como "um dos dirigentes" da PS&M Inc. A Lei 8.137/90 afirma que constitui crime "(...) omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos (...) para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo". A pena é de detenção de seis meses a dois anos e multas.
Empresas, contas e rendimentos no exterior precisam ser declarados para, quando for o caso, o contribuinte recolher os impostos. Não há investigação da Receita ou processo judicial tratando das empresas operadas no exterior por Hélio Viana e Pelé, nem sobre a conta que este informou manter nas Bermudas.


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