São Paulo, terça-feira, 28 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ ROBERTO TORERO

Ode ao pingado e ao pão com manteiga


Nosso despertador serão os gritos de gol, nossas mesas-redondas serão os ônibus, e as padarias, os estádios


Caros leitores, estou salivando. E não há diante de mim nenhuma foto da Ana Paula Arósio.
É algo ainda mais saboroso, ainda mais voluptuoso. Estou escrevendo este texto no balcão de uma padaria e à minha frente há um cálido café com leite e um dourado pão com manteiga na chapa.
Uma ondulante fumaça sobe do copo. E do pão vem um cheiro inebriante. E eis aí uma das grandes vantagens desta Copa do Mundo na Ásia, que começa na próxima sexta-feira: ela nos fará saborear esse manjar com o devido respeito.
Para nós, esta será a primeira Copa matinal da história. Dessa vez, nosso despertador serão os gritos de gol, nossas mesas-redondas serão os ônibus a caminho do trabalho, e as padarias serão os nossos estádios.
Entre pães com manteiga e copos de café com leite é que gritaremos de alegria ou xingaremos o Felipão. É verdade que essa dupla não tem o mesmo renome de outras, como vodca e caviar ou mesmo queijo e vinho. Pelo contrário, ela é identificada com uma certa falta de estilo.
Muitas vezes nós até degustamos tal combinação em pé, mas todos os que a experimentam vivem, naqueles poucos segundos, uma experiência inigualável, quase uma epifania.
Eu, confesso, sou um grande admirador de cafés com leite e pães com manteiga.
Já experimentei todas as padarias num raio de três quilômetros de minha casa e não perco a oportunidade de conhecer uma nova.
Sou quase um estudioso, um pão-na-chapólogo. Mesmo assim, até hoje não encontrei dois conjuntos iguais.
Num lugar o pingado é mais ralo, noutro é mais concentrado e em outras áreas há aquele simpático creme espumoso que lhe dá um toque refinado. Numa há mais café, noutra mais leite, numa é servido em xícaras, noutra em copos.
E que dizer do pão com manteiga? Há os crocantes e os borrachentos, os tostados, os que quase nem derretem a manteiga e os raros queimadinhos apenas na borda.
Eu, confesso, prefiro aqueles feitos numa chapa mal limpa, onde há restos das frituras anteriores, o que deixa o pão com umas manchas mais escuras e um tempero diferente, que você não sabe se veio de ovo, bife ou presunto.
Enfim, caros leitores, o pão com manteiga será nosso fel ou nossa ambrosia, nosso jiló ou nosso néctar. E o pingado será o champanhe das nossas vitórias e a cachaça das nossas derrotas.

torero@uol.com.br



Texto Anterior: Soninha: Será que realmente nós temos a força?
Próximo Texto: José Geraldo Couto: A beleza continua sendo fundamental
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.