São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2010

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Louvado seja Dios

Criticado como treinador antes do início do Mundial, Maradona agora é reverenciado pela campanha vitoriosa da Argentina e monopoliza atenções

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

"Mira, mira, mira, mira", grita a voz no fundo do salão.
Não é Messi. Não é Tevez. Não é Higuaín. Tampouco é um gol. Ou uma bela jogada.
O telão mostra Maradona cometendo o assombroso gesto de ajeitar a gravata.
"El Pibe de Oro", quando surgiu para o futebol. "El Diez", quando jogava. E que, hoje, só vê crescer o simbolismo de seu outro apelido.
Dios.
Onipresença. Religião. Fanatismo. Devoção. Eram para ele que estavam voltados os olhos dos argentinos ontem. A Folha acompanhou Argentina x México no clube Zárate, espécie de Portuguesa da Boca, fundado em 1929 e a cinco quarteirões do La Bombonera, o estádio do irmão mais famoso. Buenos Aires foi a 17ª parada da série "Um Mundo Que Torce".
Se é verdade que, antes da Copa, havia dúvidas sobre a capacidade de Maradona como treinador, também é que, após quatro vitórias na Copa, elas foram para o espaço.
Começando pela imprensa. "A seleção passou de incógnita a candidata", decretou o colunista Martin Eula, no "Olé". "Precisamos saber lidar com o favoritismo", escreveu o ex-jogador Simeone, no "La Nación".
Terminando no torcedor. "Não consigo entender como havia gente que criticava o Maradona. Ele é um gênio, sempre foi", declara Jose Masina, proprietário de uma barbearia na Recoleta.
Um deus, claro, com poderes sobrenaturais. "Diego estava morto. Renasceu. Um mês atrás, não davam um centavo por ele. Agora, vai levar a Argentina ao terceiro Mundial", lança, animado, Luis Sanchez, vendedor de camisetas piratas na Boca.
As de Messi fazem sucesso com os jovens. "Mas quem viu futebol a vida toda, compra a do Maradona", sorri.
O jogo começa, e os turistas que lotavam as ruas da Boca desaparecem. Até porque os vendedores das barraquinhas também somem: estão todos nos bares e restaurantes, ligados nos telões.
O México está bem. Uma bola no travessão arranca "ooohs!" dos argentinos. Mas a tensão dura pouco. Aos 25min, Tevez marca.
Higuaín amplia. Tevez faz o terceiro gol no início do segundo tempo. Em comum, os jogadores correm para Maradona. Na Boca, os torcedores suspiram por Dios.
O gol do México quase não é notado: 3 a 1, e a Argentina classificada para as quartas.
"Agora o nível é outro. Agora, com Diego, estamos entre os oito melhores", diz o locutor da rádio, enquanto o repórter parte para o Obelisco, ícone de Buenos Aires.
Monumento convertido, ontem, em templo. Milhares de torcedores comemoraram a vitória, louvaram seu ídolo de terno e gravata.
Templo que, esperam, logo será profanado: Maradona prometeu correr nu ali caso a Argentina seja campeã.
Difícil dizer para onde iria a idolatria. Porque, na Argentina, impossível imaginar poder maior que o de Dios.


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