São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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Clássico eleva futebol ao épico

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Os velhos comentaristas de rádio e TV abusavam do bordão "clássico é clássico: tudo pode acontecer".
Mais do que nunca, entretanto, o clichê é verdadeiro. No clássico de amanhã, no Morumbi, qualquer resultado é possível, apesar da distância que separa o Corinthians do São Paulo na tabela de classificação.
O alvinegro vem embalado (seis jogos e seis vitórias), mas o São Paulo, depois de uma série de tropeços, também está em fase ascendente. Sacramentar a recuperação com uma vitória sobre o adversário é tudo o que mais desejam os tricolores.
Além disso, o São Paulo parece ter acertado seu sistema de marcação -sacrificando para isso algumas das inovações táticas de Paulo César Carpegiani-, e o Corinthians sofre o desfalque considerável de Marcelinho, um atleta essencial para a armação de jogadas de ataque, além de ser um exímio finalizador.
Mas voltemos ao mote do início. Por que, num clássico, "tudo pode acontecer"?
O que é que, em determinados jogos, faz os chamados fatores objetivos (qualidade do elenco, preparação física e tática etc.) perderem terreno para valores mais obscuros e abstratos, como honra, valentia, garra?
Por força da tradição, e da energia que, por causa dela, emana das torcidas, temos a impressão de que um clássico tem a capacidade de elevar cada atleta a um degrau moral superior.
Nesse degrau mais elevado, o interesse imediato (salarial, de imagem ou o que seja) pesa menos do que o papel que cada um desempenhará na "grande história" do futebol, que é, de certa forma, mais do que história: é mitologia.
A cada clássico, o torcedor traz à lembrança partidas memoráveis de seu time contra aquele rival específico. Os atuais jogadores tornam-se avatares dos ídolos do passado.
O são-paulino, dependendo da idade, verá em campo os herdeiros de Roberto Dias ou Dario Pereyra, de Zizinho ou Gérson, Toninho Guerreiro ou Careca. O corintiano povoará imaginariamente as quatro linhas com os fantasmas de Luizinho, Rivellino, Sócrates, Vladimir...
Cada clássico contém em si todos os clássicos anteriores. Cada jogador é uma reencarnação de antigos heróis. É por isso que, no clássico, o futebol deixa o plano do prosaico e ascende ao épico.
Cabe esperar que o de amanhã, no Morumbi, esteja à altura de sua linda tradição.
  Quem ainda precisava de uma prova de que o interesse das empresas que lucram com o futebol nem sempre coincide com o interesse do próprio futebol e de seus aficionados teve-a ontem.
Em reportagem de capa deste caderno, o repórter Sérgio Rangel mostrou que, por questões de concorrência entre empresas, os jogos do Corinthians em torneios nacionais não serão transmitidos para o exterior até 2001.
A explicação: o HMTF (empresa que controla o futebol do clube) é concorrente da ISL, que detém os direitos de transmissões internacionais dos jogos.
Com isso, perdem os espectadores estrangeiros (que ficam privados de ver em ação um dos melhores times do Brasil), os jogadores corintianos (impedidos de mostrar seu futebol ao mundo) e os próprios torcedores alvinegros, que certamente sentiriam orgulho de ver seu time brilhar nas telas do planeta.

E-mail jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve às segundas-feiras e aos sábados

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