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Clássico eleva futebol ao épico
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Os velhos comentaristas de rádio e TV abusavam do bordão
"clássico é clássico: tudo pode
acontecer".
Mais do que nunca, entretanto,
o clichê é verdadeiro. No clássico
de amanhã, no Morumbi, qualquer resultado é possível, apesar
da distância que separa o Corinthians do São Paulo na tabela de
classificação.
O alvinegro vem embalado (seis
jogos e seis vitórias), mas o São
Paulo, depois de uma série de tropeços, também está em fase ascendente. Sacramentar a recuperação com uma vitória sobre o adversário é tudo o que mais desejam os tricolores.
Além disso, o São Paulo parece
ter acertado seu sistema de marcação -sacrificando para isso algumas das inovações táticas de
Paulo César Carpegiani-, e o
Corinthians sofre o desfalque considerável de Marcelinho, um atleta essencial para a armação de jogadas de ataque, além de ser um
exímio finalizador.
Mas voltemos ao mote do início.
Por que, num clássico, "tudo pode
acontecer"?
O que é que, em determinados
jogos, faz os chamados fatores objetivos (qualidade do elenco, preparação física e tática etc.) perderem terreno para valores mais
obscuros e abstratos, como honra,
valentia, garra?
Por força da tradição, e da energia que, por causa dela, emana
das torcidas, temos a impressão
de que um clássico tem a capacidade de elevar cada atleta a um
degrau moral superior.
Nesse degrau mais elevado, o interesse imediato (salarial, de imagem ou o que seja) pesa menos do
que o papel que cada um desempenhará na "grande história" do
futebol, que é, de certa forma,
mais do que história: é mitologia.
A cada clássico, o torcedor traz à
lembrança partidas memoráveis
de seu time contra aquele rival específico. Os atuais jogadores tornam-se avatares dos ídolos do
passado.
O são-paulino, dependendo da
idade, verá em campo os herdeiros de Roberto Dias ou Dario Pereyra, de Zizinho ou Gérson, Toninho Guerreiro ou Careca. O corintiano povoará imaginariamente as quatro linhas com os
fantasmas de Luizinho, Rivellino,
Sócrates, Vladimir...
Cada clássico contém em si todos os clássicos anteriores. Cada
jogador é uma reencarnação de
antigos heróis. É por isso que, no
clássico, o futebol deixa o plano
do prosaico e ascende ao épico.
Cabe esperar que o de amanhã,
no Morumbi, esteja à altura de
sua linda tradição.
Quem ainda precisava de uma
prova de que o interesse das empresas que lucram com o futebol
nem sempre coincide com o interesse do próprio futebol e de seus
aficionados teve-a ontem.
Em reportagem de capa deste
caderno, o repórter Sérgio Rangel
mostrou que, por questões de concorrência entre empresas, os jogos
do Corinthians em torneios nacionais não serão transmitidos para
o exterior até 2001.
A explicação: o HMTF (empresa
que controla o futebol do clube) é
concorrente da ISL, que detém os
direitos de transmissões internacionais dos jogos.
Com isso, perdem os espectadores estrangeiros (que ficam privados de ver em ação um dos melhores times do Brasil), os jogadores
corintianos (impedidos de mostrar seu futebol ao mundo) e os
próprios torcedores alvinegros,
que certamente sentiriam orgulho
de ver seu time brilhar nas telas
do planeta.
E-mail jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve às segundas-feiras e aos sábados
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