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"Rebeldes" não jogam Mundial da Fifa
Atletas de futsal que disputam competições com regras da antiga Fifusa e da AMF vivem à margem da modalidade
Entidade que primeiro criou regulamento para futebol de salão no país perdeu espaço desde os anos 80, mas ainda possui adeptos
GIULLIANA BIANCONI
DA REPORTAGEM LOCAL
O juiz apita. A bola pequena
de futebol de salão, mais pesada
que a oficial, é arremessada
com as mãos, numa cobrança
de lateral. O ala domina e chuta
para o gol. O goleiro defende,
bota a bola no chão e sai jogando, entretanto não pode ultrapassar o meio da quadra.
No Mundial de Futsal da Fifa, que começa em dois dias em
Brasília e no Rio de Janeiro,
não há qualquer chance de lance semelhante ao descrito ser
visto durante as partidas.
No futsal oficial, do Brasil e
de todos os outros países em
que a principal entidade regulamentadora da modalidade é a
Fifa, cobranças de lateral e de
escanteio são realizadas com os
pés. E o goleiro pode, sim, avançar até a área adversária.
Porém alguns treinos de final
de tarde no ginásio Mané Garrincha, em Diadema, esbanjam
lançamentos com as mãos, sob
as ordens de Maurício Silva,
que formou a equipe local. Silva, 36, vivencia futsal há 24
anos e não está preocupado em
seguir a cartilha da Fifa.
Para ele, as regras oficiais são
outras. "Conheci o futsal na
época da Fifusa [Federação Internacional de Futebol de Salão], a entidade que realmente
estabeleceu o futebol de salão
no Brasil. Hoje seguimos as regras da AMF [Associação Mundial de Futsal], entidade que
surgiu como uma evolução da
Fifusa", explica o treinador.
Silva e seus atletas são órfãos
da bola pesada. E não perderam
apenas a bolinha de meio quilo
-a bola da AMF é um pouco
mais leve do que a utilizada pela Fifusa, mas mais pesada do
que a usada pela Fifa.
Os que, como ele, decidiram
não ceder à Fifa -que conseguiu, durante a presidência de
João Havelange, deixar a Fifusa
em segundo plano e transformar-se na principal entidade
do futsal no Brasil-, perderam
visibilidade, prestígio com patrocinadores e passaram a viver
à margem da modalidade.
De oficiais, passaram a ser
vistos como rebeldes que não
cederam à nova regulamentação. A CBFS (Confederação
Brasileira de Futebol de Salão),
ligada à Fifa, estabeleceu que
haveria suspensão de registro
para os atletas que fossem filiados a ela e disputassem torneios com outras regras.
"A retaliação fez efeito. Hoje,
muita gente até desconhece
que ainda existimos [Fifusa e
AMF] porque aqui só se escuta
falar do futsal da Fifa", diz Gina
dos Anjos, coordenadora-geral
da CNFS (Confederação Nacional de Futebol de Salão).
Ela destaca que a representatividade das entidades é bem
maior em outros países da
América do Sul.
"Argentina e Paraguai são
exemplos. Como a Fifa nesses
países não tinha a hegemonia
que possuía no Brasil nos anos
80, a Fifusa se firmou e, posteriormente, a AMF surgiu no
Paraguai, em 2002", diz Gina.
Existem apenas quatro entidades filiadas à CNFS e nenhuma delas tem status de federação. Realidade diferente da
CBFS, que reúne 27 federações.
A disparidade não se resume
ao número de filiados. Com
respaldo da Fifa, a CBFS apresenta estrutura muito superior.
No Ceará, onde está sediada a
entidade, funciona, desde o ano
passado, um centro de treinamento que conta com 40 apartamentos, piscina, sala de jogos,
restaurante, ginásio coberto
(com quadra de madeira), sala
de musculação, fisioterapia e
consultório odontológico.
Além disso, a CBFS realiza
competições, como a Liga Futsal e a Taça Brasil de Clubes,
que distribuem premiações em
dinheiro. Neste ano, o time
Malwee Futsal arrebatou R$ 70
mil ao vencer a Liga.
Na CNFS, a premiação se resume a troféus, e a falta de R$
78 mil foi, segundo Gina dos
Anjos, o motivo do cancelamento da inscrição da seleção
feminina no Mundial de futsal
da AMF, que será disputado a
partir de amanhã, na Espanha.
Mesmo com esse abismo entre as instituições, há jogadores
que começam a atuar pelas regras da Fifa e, em seguida, migram para os campeonatos sob
as normas da AMF. Renato Pereira, 19, é um exemplo.
O atleta, que até este ano não
havia conseguido destaque no
futsal paulista, aceitou o convite para integrar a equipe de
Diadema. "Talvez com essa regra seja mais fácil. Quem sabe
eu possa disputar Mundiais e
seja visto por equipes maiores",
vislumbra Pereira.
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