São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2008

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"Rebeldes" não jogam Mundial da Fifa

Atletas de futsal que disputam competições com regras da antiga Fifusa e da AMF vivem à margem da modalidade

Entidade que primeiro criou regulamento para futebol de salão no país perdeu espaço desde os anos 80, mas ainda possui adeptos

GIULLIANA BIANCONI
DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz apita. A bola pequena de futebol de salão, mais pesada que a oficial, é arremessada com as mãos, numa cobrança de lateral. O ala domina e chuta para o gol. O goleiro defende, bota a bola no chão e sai jogando, entretanto não pode ultrapassar o meio da quadra.
No Mundial de Futsal da Fifa, que começa em dois dias em Brasília e no Rio de Janeiro, não há qualquer chance de lance semelhante ao descrito ser visto durante as partidas.
No futsal oficial, do Brasil e de todos os outros países em que a principal entidade regulamentadora da modalidade é a Fifa, cobranças de lateral e de escanteio são realizadas com os pés. E o goleiro pode, sim, avançar até a área adversária.
Porém alguns treinos de final de tarde no ginásio Mané Garrincha, em Diadema, esbanjam lançamentos com as mãos, sob as ordens de Maurício Silva, que formou a equipe local. Silva, 36, vivencia futsal há 24 anos e não está preocupado em seguir a cartilha da Fifa.
Para ele, as regras oficiais são outras. "Conheci o futsal na época da Fifusa [Federação Internacional de Futebol de Salão], a entidade que realmente estabeleceu o futebol de salão no Brasil. Hoje seguimos as regras da AMF [Associação Mundial de Futsal], entidade que surgiu como uma evolução da Fifusa", explica o treinador.
Silva e seus atletas são órfãos da bola pesada. E não perderam apenas a bolinha de meio quilo -a bola da AMF é um pouco mais leve do que a utilizada pela Fifusa, mas mais pesada do que a usada pela Fifa.
Os que, como ele, decidiram não ceder à Fifa -que conseguiu, durante a presidência de João Havelange, deixar a Fifusa em segundo plano e transformar-se na principal entidade do futsal no Brasil-, perderam visibilidade, prestígio com patrocinadores e passaram a viver à margem da modalidade.
De oficiais, passaram a ser vistos como rebeldes que não cederam à nova regulamentação. A CBFS (Confederação Brasileira de Futebol de Salão), ligada à Fifa, estabeleceu que haveria suspensão de registro para os atletas que fossem filiados a ela e disputassem torneios com outras regras.
"A retaliação fez efeito. Hoje, muita gente até desconhece que ainda existimos [Fifusa e AMF] porque aqui só se escuta falar do futsal da Fifa", diz Gina dos Anjos, coordenadora-geral da CNFS (Confederação Nacional de Futebol de Salão).
Ela destaca que a representatividade das entidades é bem maior em outros países da América do Sul.
"Argentina e Paraguai são exemplos. Como a Fifa nesses países não tinha a hegemonia que possuía no Brasil nos anos 80, a Fifusa se firmou e, posteriormente, a AMF surgiu no Paraguai, em 2002", diz Gina.
Existem apenas quatro entidades filiadas à CNFS e nenhuma delas tem status de federação. Realidade diferente da CBFS, que reúne 27 federações.
A disparidade não se resume ao número de filiados. Com respaldo da Fifa, a CBFS apresenta estrutura muito superior.
No Ceará, onde está sediada a entidade, funciona, desde o ano passado, um centro de treinamento que conta com 40 apartamentos, piscina, sala de jogos, restaurante, ginásio coberto (com quadra de madeira), sala de musculação, fisioterapia e consultório odontológico.
Além disso, a CBFS realiza competições, como a Liga Futsal e a Taça Brasil de Clubes, que distribuem premiações em dinheiro. Neste ano, o time Malwee Futsal arrebatou R$ 70 mil ao vencer a Liga.
Na CNFS, a premiação se resume a troféus, e a falta de R$ 78 mil foi, segundo Gina dos Anjos, o motivo do cancelamento da inscrição da seleção feminina no Mundial de futsal da AMF, que será disputado a partir de amanhã, na Espanha.
Mesmo com esse abismo entre as instituições, há jogadores que começam a atuar pelas regras da Fifa e, em seguida, migram para os campeonatos sob as normas da AMF. Renato Pereira, 19, é um exemplo.
O atleta, que até este ano não havia conseguido destaque no futsal paulista, aceitou o convite para integrar a equipe de Diadema. "Talvez com essa regra seja mais fácil. Quem sabe eu possa disputar Mundiais e seja visto por equipes maiores", vislumbra Pereira.


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