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Copa redesenha política dos países que a recebem
História mostra que o Mundial tem grande impacto no jogo de poder do anfitrião
Competição cria novas
forças eleitorais e aquece a
popularidade do governo
local mesmo quando dono
da casa não ergue a taça
ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE BRASIL
O beija-mão corria solto no
mais VIP dos camarotes de um
dos estádios da Copa de 2002
quando Joseph Blatter chegou
apressado da abafada tarde
asiática que fazia o resto do
mundo lá fora derreter.
O chefe do futebol mundial
logo acudiu ao banheiro para se
recompor, e o verdadeiro centro das atenções dali e de toda a
Coréia do Sul ficou à vontade
para sentar e dirigir seu característico tom de voz pausado
aos muitos que o procuravam.
EUA e México se aqueciam para as oitavas-de-final; Chung
Mong-joon, para a eleição presidencial dali a seis meses.
Sorriso discreto, o herdeiro
do conglomerado Hyundai se
dizia "contente" por ter seu nome "lembrado". Era a senha de
um modesto eufemismo -a
competição o empurrou à liderança das pesquisas eleitorais.
Uma vez mais, a Copa mostrava seu poder de transformar
a caixinha-de-surpresas dos
gramados numa caixinha-de-certezas das urnas: receber o
evento é troféu político antes
mesmo de o jogo começar.
Os 77 anos de história do
evento que mais galvaniza
atenção no planeta demonstram como o frenesi do Mundial não deixa à margem o jogo
local do poder político.
Mong-joon, o bilionário coreano, é exemplo extremo da
série. Em 2002, após peitar a
poderosa candidatura do Japão
e transformar seu país em co-anfitrião, surfou o orgulho dos
milhões vestidos de vermelho
que inundaram as ruas para
festejar sua seleção e o progresso tecnológico que o tigre asiático mostrava ao mundo.
A Copa o fez decolar de deputado a herói nacional. Oficializou-se na disputa três meses
depois da competição, por um
partido que ele mesmo criou, e
partiu para uma campanha de
altos e baixos. Num polêmico
acordo político a menos de um
mês da eleição, abriu mão da
candidatura para pavimentar a
vitória do atual presidente, Roh
Moo-hyun, seu aliado.
A fórmula de popularidade
que catapultou o coreano se replica pelo tempo e pelo planeta.
Aconteceu na França, em
1998. O presidente Jacques
Chirac e o premiê Lionel Jospin tiveram seus ápices de
aprovação popular na época da
Copa -muito ajudados, claro,
pelas cabeçadas de Zidane que
venceram Taffarel e coloriram
a avenida Champs-Elysées de
azul, vermelho e branco.
Mas, como indício de que o
empurrão político não está colado ao desempenho da seleção
anfitriã, vale lembrar que o fenômeno se repetiu também na
Alemanha, no ano passado.
Derrotada pela arqui-rival
Itália, a seleção da casa parou
no terceiro lugar. O que não esfriou o desfile do time de Klinsmann no Portão de Brandemburgo com a inscrição "espírito
de equipe de 82 milhões" às
costas, referência à população
da Alemanha que se descobria
orgulhosamente reunificada.
A chanceler Angela Merkel
atingiu no mesmo ano a mais
alta aprovação para o cargo no
pós-guerra. A seguir, ganharia
duas vezes seguidas o título de
"mulher mais poderosa do planeta" da revista "Forbes".
Na África do Sul, onde o
Mundial aporta em 2010, o presidente Thabo Mbeki alcançou
sua maior popularidade em julho de 2004, logo após a Fifa escolher o país -seu governo, no
entanto, tem feito água mais recentemente em meio a seguidos escândalos.
Outro que provou o poder de
sedução da Copa é o italiano
Luca di Montezemolo. Assumiu a presidência do Comitê
Organizador da Copa de 1990 e
nunca mais saiu dos holofotes.
Saltou dali para a presidência
da Ferrari, da Fiat e da associação industrial italiana; um pulo
mais, entrou na lista de candidatos a comandar a Itália.
No primeiro semestre deste
ano, mais de um terço da população o queria como primeiro-ministro. Montezemolo desconversa com uma mão e ataca
duramente o governo de Romano Prodi com a outra.
Mesmo políticos que mantiveram distância das urnas não
deixaram de agarrar a Copa.
O primeiro a perceber a força
do torneio, logo em sua segunda edição, foi Benito Mussolini,
que levou o Mundial de 1934
para a Itália. Transformou a
competição em máquina de
propaganda do fascismo (e fez
escola: dois anos depois, Adolf
Hitler organizou os Jogos
Olímpicos em Berlim para
exaltar o nazismo).
Um aspecto distinto que
Mussolini inscreveu na história
da Copa emergiria noutra ditadura, décadas depois.
As acusações de pressão do
governo anfitrião sobre os juízes para favorecer a seleção italiana em 1934 ecoam na Argentina do general Jorge Rafael Videla, em 1978, num Mundial
também marcado pelo uso político do futebol e por coisas estranhas em campo. A mais famosa delas é bem conhecida
dos brasileiros: os seis gols que
a Argentina aplicou no Peru para tirar o Brasil do páreo.
Tanto ali como na Itália de
Mussolini, a taça e todos os louros da Copa acabaram onde o
governo queria: em casa.
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