São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Copa redesenha política dos países que a recebem

História mostra que o Mundial tem grande impacto no jogo de poder do anfitrião

Competição cria novas forças eleitorais e aquece a popularidade do governo local mesmo quando dono da casa não ergue a taça

ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE BRASIL

O beija-mão corria solto no mais VIP dos camarotes de um dos estádios da Copa de 2002 quando Joseph Blatter chegou apressado da abafada tarde asiática que fazia o resto do mundo lá fora derreter.
O chefe do futebol mundial logo acudiu ao banheiro para se recompor, e o verdadeiro centro das atenções dali e de toda a Coréia do Sul ficou à vontade para sentar e dirigir seu característico tom de voz pausado aos muitos que o procuravam. EUA e México se aqueciam para as oitavas-de-final; Chung Mong-joon, para a eleição presidencial dali a seis meses.
Sorriso discreto, o herdeiro do conglomerado Hyundai se dizia "contente" por ter seu nome "lembrado". Era a senha de um modesto eufemismo -a competição o empurrou à liderança das pesquisas eleitorais.
Uma vez mais, a Copa mostrava seu poder de transformar a caixinha-de-surpresas dos gramados numa caixinha-de-certezas das urnas: receber o evento é troféu político antes mesmo de o jogo começar.
Os 77 anos de história do evento que mais galvaniza atenção no planeta demonstram como o frenesi do Mundial não deixa à margem o jogo local do poder político.
Mong-joon, o bilionário coreano, é exemplo extremo da série. Em 2002, após peitar a poderosa candidatura do Japão e transformar seu país em co-anfitrião, surfou o orgulho dos milhões vestidos de vermelho que inundaram as ruas para festejar sua seleção e o progresso tecnológico que o tigre asiático mostrava ao mundo.
A Copa o fez decolar de deputado a herói nacional. Oficializou-se na disputa três meses depois da competição, por um partido que ele mesmo criou, e partiu para uma campanha de altos e baixos. Num polêmico acordo político a menos de um mês da eleição, abriu mão da candidatura para pavimentar a vitória do atual presidente, Roh Moo-hyun, seu aliado.
A fórmula de popularidade que catapultou o coreano se replica pelo tempo e pelo planeta.
Aconteceu na França, em 1998. O presidente Jacques Chirac e o premiê Lionel Jospin tiveram seus ápices de aprovação popular na época da Copa -muito ajudados, claro, pelas cabeçadas de Zidane que venceram Taffarel e coloriram a avenida Champs-Elysées de azul, vermelho e branco.
Mas, como indício de que o empurrão político não está colado ao desempenho da seleção anfitriã, vale lembrar que o fenômeno se repetiu também na Alemanha, no ano passado.
Derrotada pela arqui-rival Itália, a seleção da casa parou no terceiro lugar. O que não esfriou o desfile do time de Klinsmann no Portão de Brandemburgo com a inscrição "espírito de equipe de 82 milhões" às costas, referência à população da Alemanha que se descobria orgulhosamente reunificada.
A chanceler Angela Merkel atingiu no mesmo ano a mais alta aprovação para o cargo no pós-guerra. A seguir, ganharia duas vezes seguidas o título de "mulher mais poderosa do planeta" da revista "Forbes".
Na África do Sul, onde o Mundial aporta em 2010, o presidente Thabo Mbeki alcançou sua maior popularidade em julho de 2004, logo após a Fifa escolher o país -seu governo, no entanto, tem feito água mais recentemente em meio a seguidos escândalos.
Outro que provou o poder de sedução da Copa é o italiano Luca di Montezemolo. Assumiu a presidência do Comitê Organizador da Copa de 1990 e nunca mais saiu dos holofotes. Saltou dali para a presidência da Ferrari, da Fiat e da associação industrial italiana; um pulo mais, entrou na lista de candidatos a comandar a Itália.
No primeiro semestre deste ano, mais de um terço da população o queria como primeiro-ministro. Montezemolo desconversa com uma mão e ataca duramente o governo de Romano Prodi com a outra.
Mesmo políticos que mantiveram distância das urnas não deixaram de agarrar a Copa.
O primeiro a perceber a força do torneio, logo em sua segunda edição, foi Benito Mussolini, que levou o Mundial de 1934 para a Itália. Transformou a competição em máquina de propaganda do fascismo (e fez escola: dois anos depois, Adolf Hitler organizou os Jogos Olímpicos em Berlim para exaltar o nazismo).
Um aspecto distinto que Mussolini inscreveu na história da Copa emergiria noutra ditadura, décadas depois.
As acusações de pressão do governo anfitrião sobre os juízes para favorecer a seleção italiana em 1934 ecoam na Argentina do general Jorge Rafael Videla, em 1978, num Mundial também marcado pelo uso político do futebol e por coisas estranhas em campo. A mais famosa delas é bem conhecida dos brasileiros: os seis gols que a Argentina aplicou no Peru para tirar o Brasil do páreo.
Tanto ali como na Itália de Mussolini, a taça e todos os louros da Copa acabaram onde o governo queria: em casa.

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