São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Além da derrota

Torcedores usam praças como dormitório, lotam o estádio empolgados com favoritismo da seleção brasileira, mas revés e frustração calam o Maracanã

EDGARD ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

A frustração pela derrota do Brasil diante do Uruguai na final perante 200 mil torcedores é a marca registrada da Copa de 50. Nada remove essa imagem, mais conhecida por Maracanazo. A epopéia, no entanto, é recheada de historietas, que geram rico folclore.
Um dos observadores das cenas do Maracanã, também denominadas de "tragédia" em incontáveis narrativas, é Álvaro Young Bozza, 78, que cobriu a peleja decisiva daquele Mundial pelo "Correio Popular", jornal de Campinas, a 95 km a noroeste de São Paulo.
"Tudo estava lotado. O gerente do Serrador quebrou o galho: alugou uma poltrona no saguão do hotel. Ali, a gente dormiu revezando até a manhã, quando saímos para o estádio", recorda Bozza, que na época, aos 21 anos, era um foca (jornalista novato, inexperiente).
Ele lembra que torcedores dormiam na praia e nas praças. "Faziam as necessidades fisiológicas ali mesmo", recorda.
O jornal enviou uma dupla para a cobertura -o chefe de esportes João Caetano Monteiro Filho e Bozza- que desembarcou na véspera da decisão no aeroporto Santos Dumont.
Dali, seguiu direto para o credenciamento. "Mostramos os documentos, e o ingresso especial logo saiu. No domingo, foi difícil alcançar o reservado no estádio. Tinha muita gente."
Chegar ao Rio foi fácil; a volta, após a derrota, complicou.
"Não conseguimos avião. Voltamos de trem só na segunda-feira à noite, depois de muita cerveja nos botequins, onde a derrota era o único assunto."
Para a dupla de jornalistas, o tropeço da seleção no "Maior do Mundo" (Maracanã) não ficou restrito ao gramado.
Não tinha telex e uma ligação telefônica, que já era difícil, naquelas circunstâncias ficou quase impossível. Além disso, teve o atraso na viagem.
"Resultado: o jogo saiu publicado, um registro, na quarta-feira", diz Bozza, emendando uma gargalhada. E completa: "Isso é algo inimaginável hoje".
Nas Copas seguintes -Suíça-54, Suécia-58, Chile-62, Inglaterra-66 e México-70-, o jornal foi impresso logo após as finais, mas basicamente com informações colhidas pelo rádio.
"No tri do Brasil, colocamos um tablóide na rua 15 minutos depois da vitória no México", afirma Bozza, com orgulho.
Até a epopéia da viagem ao Rio, o foca do "Correio" vinha cobrindo o grupo de Minas no Mundial, no qual o destaque era a seleção da Inglaterra, surpreendida de forma espetacular pelo time dos EUA.
As informações das agências noticiosas chegavam pelo trem, lembra Bozza. Eram textos especiais, que ajudavam a compor as edições. O noticiário "quente" saía das transmissões de rádio, já que não tinha TV.
A voz de Bozza sobe o tom quando o assunto é a seleção brasileira. Segundo ele, quando o jogo acabou, o Maracanã parecia um túmulo, tal o silêncio. "Especulou-se muito sobre a falha do goleiro Barbosa, mas, para mim, aquela foi a seleção mais covarde da história. Tão favorita, e badalada por torcedores e políticos, perdeu a concentração e não reagiu."

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