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Além da derrota
Torcedores usam praças como dormitório, lotam o estádio empolgados com favoritismo da seleção brasileira, mas revés e frustração calam o Maracanã
EDGARD ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
A frustração pela derrota do
Brasil diante do Uruguai na final perante 200 mil torcedores
é a marca registrada da Copa de
50. Nada remove essa imagem,
mais conhecida por Maracanazo. A epopéia, no entanto, é recheada de historietas, que geram rico folclore.
Um dos observadores das cenas do Maracanã, também denominadas de "tragédia" em
incontáveis narrativas, é Álvaro
Young Bozza, 78, que cobriu a
peleja decisiva daquele Mundial pelo "Correio Popular",
jornal de Campinas, a 95 km a
noroeste de São Paulo.
"Tudo estava lotado. O gerente do Serrador quebrou o
galho: alugou uma poltrona no
saguão do hotel. Ali, a gente
dormiu revezando até a manhã,
quando saímos para o estádio",
recorda Bozza, que na época,
aos 21 anos, era um foca (jornalista novato, inexperiente).
Ele lembra que torcedores
dormiam na praia e nas praças.
"Faziam as necessidades fisiológicas ali mesmo", recorda.
O jornal enviou uma dupla
para a cobertura -o chefe de
esportes João Caetano Monteiro Filho e Bozza- que desembarcou na véspera da decisão
no aeroporto Santos Dumont.
Dali, seguiu direto para o credenciamento. "Mostramos os
documentos, e o ingresso especial logo saiu. No domingo, foi
difícil alcançar o reservado no
estádio. Tinha muita gente."
Chegar ao Rio foi fácil; a volta, após a derrota, complicou.
"Não conseguimos avião.
Voltamos de trem só na segunda-feira à noite, depois de muita cerveja nos botequins, onde
a derrota era o único assunto."
Para a dupla de jornalistas, o
tropeço da seleção no "Maior
do Mundo" (Maracanã) não ficou restrito ao gramado.
Não tinha telex e uma ligação
telefônica, que já era difícil, naquelas circunstâncias ficou
quase impossível. Além disso,
teve o atraso na viagem.
"Resultado: o jogo saiu publicado, um registro, na quarta-feira", diz Bozza, emendando
uma gargalhada. E completa:
"Isso é algo inimaginável hoje".
Nas Copas seguintes -Suíça-54, Suécia-58, Chile-62, Inglaterra-66 e México-70-, o jornal foi impresso logo após as finais, mas basicamente com informações colhidas pelo rádio.
"No tri do Brasil, colocamos
um tablóide na rua 15 minutos
depois da vitória no México",
afirma Bozza, com orgulho.
Até a epopéia da viagem ao
Rio, o foca do "Correio" vinha
cobrindo o grupo de Minas no
Mundial, no qual o destaque
era a seleção da Inglaterra, surpreendida de forma espetacular pelo time dos EUA.
As informações das agências
noticiosas chegavam pelo trem,
lembra Bozza. Eram textos especiais, que ajudavam a compor as edições. O noticiário
"quente" saía das transmissões
de rádio, já que não tinha TV.
A voz de Bozza sobe o tom
quando o assunto é a seleção
brasileira. Segundo ele, quando
o jogo acabou, o Maracanã parecia um túmulo, tal o silêncio.
"Especulou-se muito sobre a
falha do goleiro Barbosa, mas,
para mim, aquela foi a seleção
mais covarde da história. Tão
favorita, e badalada por torcedores e políticos, perdeu a concentração e não reagiu."
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