São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

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Marmelada

Comportamento ambíguo em relação a arranjos é fruto de ética frágil e falta de cultura esportiva no Brasil, segundo especialistas

CAROLINA ARAÚJO
DE SÃO PAULO

Deixar o companheiro de equipe ultrapassar em uma corrida na F-1 não pode. Torcer para o próprio time de futebol perder e atrapalhar um rival na luta pelo título pode. E, às vezes, tudo depende do regulamento da disputa.
O comportamento ambíguo dos torcedores brasileiros em relação a arranjos no esporte voltou a ter destaque no domingo passado, quando a torcida são-paulina levou faixas com a palavra "Entrega" para Barueri, onde o time recebeu o Fluminense.
Como um triunfo da equipe carioca prejudicaria o Corinthians, rival são-paulino e ainda com chances de título, parte da torcida da equipe do Morumbi comemorou os gols do rival, que venceu por 4 a 1.
Hoje, o Fluminense deve ter novamente parte da torcida adversária a seu favor. Enfrentará o Palmeiras, outro arquirrival corintiano que já não tem pretensões no Nacional. A equipe alviverde deve atuar com reservas, e um dirigente do clube já afirmou que "eventualmente pode ser o jogo do título".
Para especialistas, o comportamento da torcida mostra que o conceito de ética é frágil entre os brasileiros.
"No Brasil, confunde-se ética com vantagem. A pessoa torce para o que acha mais vantajoso para ela", declarou Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da USP.
Outros casos polêmicos neste ano receberam julgamentos distintos da torcida.
Felipe Massa e a Ferrari foram criticados quando o brasileiro acatou ordens de sua equipe e deixou Fernando Alonso ultrapassá-lo no GP da Alemanha, em julho.
"Muitos condenaram o Felipe Massa. Mas, se fosse o Alonso que tivesse deixado o brasileiro passar, será que isso incomodaria alguém?", questiona Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP.
"O torcedor apoia a marmelada que favorece o seu próprio interesse. Quando o resultado lhe convém, ele endossa, mesmo que seja uma atitude considerada imoral. O que está em jogo é a paixão", declarou Rubio.
A ambiguidade também marcou a atitude da seleção masculina de vôlei, que, no Mundial da Itália, jogou com reservas contra a Bulgária, perdeu e evitou uma trajetória mais difícil até a final.
Enquanto para alguns o time fez parte de uma marmelada, para outros, Bernardinho e os atletas tiveram uma atitude racional, uma vez que o regulamento do campeonato prejudicava as seleções de melhor campanha.
"Se o Brasil ganhasse [da Bulgária], mas não chegasse à final, poderia dar a ideia de ser um time ingênuo, bobo", disse o psicanalista Abrão Slavutzky. "Por isso, muitos apoiaram aquela derrota."
Para Katia Rubio, as marmeladas no esporte por vezes são aceitas, e até desejadas, porque o Brasil não ostenta uma cultura esportiva sólida.
"Muitas vezes, as crianças aprendem, desde pequenas, a vaiar, a levar vantagem sobre o rival. Não existe um trabalho pedagógico com os torcedores", afirmou Rubio.
Segundo ela, o fato de o Brasil sediar a Copa-2014 e a Olimpíada-2016 deveria alavancar esse processo. "É preciso ensinar a população a torcer, educar para o esporte. Mas isso é pouco difundido."


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