São Paulo, sexta-feira, 29 de maio de 2009

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XICO SÁ

No radinho de pilha


A ciência outra vez gasta milhões para comprovar as teses de boteco e diz que ouvir jogo no rádio é perigoso


A MIGO TORCEDOR , amigo secador, se for ouvir o jogo do seu time pelo rádio, não dirija. É mais ou menos o que aconselham professores da Universidade de Leicester, na Inglaterra, que acabam de divulgar uma pesquisa sobre o tema.
Um perigo, alertam os mestres, você pode bater o veículo, provocar acidentes, abismar-se com as fortes emoções do velho speaker, como eram chamados os nossos locutores.
É a ciência outra vez gastando milhões para comprovar as teses chinfrins do boteco, mas tudo bem, é do jogo, vale o publicado na "Science", garçom, a saideira, e passa a régua. E nem precisa estar guiando o seu possante, desde o Corcel 73 do Raul que a gente sabe, ouvir futebol pelo rádio é um perigo. O Marcelo Mendez, hombre de raízes bascas e nordestinas -belas misturas de São Paulo-, outro dia quase desinfeta o beco, quase estica as canelas, quase para de fumar pela última vez o Continental sem filtro da existência.
O amigo palmeirense chegou a dar um bofetada na velha da foice. Ouvia a decisão dos pênaltis, com o Sport, com o radinho colado nas oiças. A bola mal saiu da cal e, por um rápido cochilo, o locutor gritou gol em uma cobrança que foi, deveras, defendida por São Marcos de Oriente e Região.
Princípio de enfarto, mas tudo bem, o triunfo na Ilha de Lost e a medicação materna, uma mezinha de ervas brabas, salvaram o moço.
A narração pelo rádio mata mesmo, mas que maravilha, seu Waldir Amaral, tem peixe na rede do Vascão, Fiori Giglioti, seu Osmar, seu Geraldo José de Almeida, seu Jorge Curi, Edson Leite, Ranzolin, Willy Gonzer, Pedro Luis, Francisco Silva, o Foguinho, que concluía as transmissões longe da sua Juazeiro do Norte dizendo mais ou menos assim aos ouvintes, tom dramático, please: "Boa noite a todos, se eu voltar, Deus estará comigo, se eu não voltar, certamente estarei com Deus".
Amigo, vou esquecer de citar muitos heróis da literatura oral brasileira, mas não o Ivan Lima, "o gandulão de ouro", gênio na arte de fazer viajar a nossa imaginação, ainda na invicta Recife, um verdadeiro Hitchcock do suspense ludopédico. Sim, de preferência com os comentários de José Santana, grande dupla.
Senhores professores, para voltar à pendenga dos livros nas escolas paulistas, adotem a narrativa do rádio para atiçar o juízo e a capacidade de contar histórias das crianças e dos pobres adultos, criaturas paralisadas pela ferrugem da chatice e do politicamente correto. O mais é o coro dos hipócritas, como me escreve a mestra Eurídice, educação da pedra, resistência do pó de giz.
Hei de vencer, professora, mesmo sendo muito romântico, mesmo secando o São Paulo e contraditoriamente querendo o bem e a sorte para o menino Denis, que fogueira, logo na Libertadores! Mesmo não compreendendo, nunca, como a torcida tricolor blasfema contra o Muricy, bando de mal-agradecidos.
Hei de vencer, Eurídice, mesmo achando mais graça em um Icasa x Salgueiro, do que na pelada que foi a Champions League. Como uma defesa inglesa toma um gol de cabeça de um tampinha (genial) daqueles? Mano Menezes jamais permitiria. Mas parabéns à torcida catalã do Crato, que, a exemplo dos grenás, sempre desejou se tornar uma nação independente e apaixonada.

xico.folha@uol.com.br


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