|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
A sordidez do Pan
Não nos mobilizamos para resolver alguns problemas, mas temos bilhões para queimar num evento de terceira
EU TAMBÉM me diverti com o Pan e achei
muito bonitas as instalações olímpicas construídas para os Jogos. O encanto e as emoções do esporte são contagiantes. E
certamente algum efeito
positivo para a prática esportiva -e a auto-estima
do Rio- o evento terá tido.
Nada disso, porém, consegue apagar de minha
mente o aspecto sórdido do
Pan, que não é mais do que
um reflexo do lado sombrio
de nossa sociedade ou, como prefeririam alguns, de
nossas elites.
Começando pelo começo: está claro que a opinião
pública foi enganada pelo
Comitê Olímpico Brasileiro, pela Prefeitura do Rio e
pelo governo federal com
um orçamento mentiroso.
Poderia dizer que foi um
orçamento "equivocado",
mas obviamente não é isso:
a distância entre os cerca
de R$ 400 milhões da previsão inicial e os mais de R$
3 bilhões efetivamente gastos é tão grande que não
pode ser erro de estimativa. Reportagem de Sérgio
Rangel publicada pela Folha mostrou que para cada
R$ 1 estimado foram efetivamente gastos R$ 8.
Atenção: estamos falando de dinheiro público,
não de investimentos privados. E estamos falando
de dinheiro público num
país e numa cidade cujas
carências e urgências são
gritantes. Está na cara que
os projetos foram bombados não apenas para as
"bicadas" de praxe (e fico
imaginando quanta gente
bicou em toda essa cadeia!), mas como fruto de
uma estratégia: tentar fazer uma Olimpíada no Rio.
Ou seja, a grande aposta
que os espertos estão fazendo para a cidade é
transformá-la em palco
olímpico, supondo que,
com isso, investimentos
em infra-estrutura, urbanização e combate à miséria acontecerão. Teremos
uma nova Barcelona...
É uma aposta irresponsável, que transforma a
população em refém de
um plano que tem enormes chances de ser extremamente dispendioso e
dar errado, mesmo se
aprovado pelo Comitê
Olímpico Internacional.
Em artigo no "Globo",
Ali Kamel comparava os
custos das obras que se
anunciam para a Rocinha
com os do Engenhão, elefante branco modernoso
cercado de favelados. No
primeiro caso, o poder público pretende gastar R$
80 milhões. No segundo,
torrou R$ 380 milhões!
A sordidez é essa, amigos do esporte. Não conseguimos nos mobilizar para
resolver o problema vergonhoso das favelas, mas
rapidamente arrumamos
bilhões para queimar num
evento de terceira linha
que em breve estará esquecido e cujos desdobramentos são totalmente incertos. É isso aí: "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor".
Texto Anterior: Corpo a corpo Próximo Texto: Painel FC Índice
|