São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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Bolsa-Atleta distribui verba a esportes insólitos

Programa do Ministério do Esporte beneficia até praticantes de pesca e bolão

Conhecimento de leis da física, divertimento e lazer são justificativas usadas por praticantes para receberem dinheiro de governo federal


Ricardo Nogueira/Folha Imagem
Rogério Arkie, praticante do bolão, semelhante ao boliche

MARIANA BASTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais do que hobby ou lazer, pesca, jogo de damas, aeromodelismo, xadrez, bolão, boliche e fisiculturismo podem ser considerados esportes?
Para o Ministério do Esporte, sim. Em 2008, a pasta distribuiu bolsa-atleta para praticantes todas essas atividades.
A Lei 10.891, de 2004, que instituiu o Bolsa-Atleta, diz que o benefício é dado aos "praticantes do desporto de rendimento em modalidades olímpicas e paraolímpicas, bem como naquelas modalidades vinculadas ao Comitê Olímpico Internacional (COI)". A bolsa, entre R$ 300 e R$ 2.500, é concedida só a esportistas sem patrocínio.
De fato, muitas das modalidades citadas -xadrez, bolão, pesca e aeromodelismo- são reconhecidas pelo COI.
Contudo, outras, que tiveram praticantes contemplados com o benefício do governo federal, como jogo de damas, supino, power bíceps e futevôlei, não têm vínculos com a entidade.
A falta de uma definição clara para esporte na legislação do Bolsa-Atleta provoca confusões até mesmo no ministério.
Segundo Herval Barros, diretor de excelência esportiva da pasta e um dos responsáveis pela coordenação do programa, o Bolsa-Atleta engloba "todas as modalidades que têm a possibilidade de se organizarem desde que estejam presentes no calendário esportivo do Ministério do Esporte".
Então, seria possível criar uma confederação brasileira de arremesso de canetas para posteriormente solicitar o benefício da bolsa-atleta para os praticantes da nova "modalidade"?
"Não. A confederação teria de estar filiada a uma federação internacional", explica Barros.
Até mesmo os atletas beneficiados têm dificuldade para definir se o que praticam pode ser mesmo considerado esporte.
"Para falar a verdade, quando comecei a praticar, achava que era um hobby", reconhece Vicente Pfau, 27, campeão brasileiro de aeromodelismo de escala e um dos três contemplados na modalidade com a bolsa-atleta nacional. "Não sei bem o conceito de esporte, mas aeromodelismo desenvolve o modo de pensar. Você passa a conhecer melhor as leis da física."
Já Ana Paula Araújo Brito, 17, bicampeã brasileira de dama de 64 casas, categoria absoluto, confunde-se na definição. Entre os 12 atletas de damas beneficiados pelo programa, é a única mulher que ganhará a bolsa internacional, de R$ 1.500.
"O povo fala que [damas] não [é esporte], mas acho que é. É um esporte igual aos outros. É um lazer, um divertimento."
Para Luiza Shiyoko Shinohara Sano, 47, sua modalidade, a pesca, não é tão monótona a ponto de ser desqualificada. "Assim como todo esporte, ela exige dedicação", diz a dentista, que todos os finais de semana vai ao litoral para treinar.
Nunca tantos pescadores foram contemplados com bolsas. Além de Luiza, outros 11 praticantes receberão bolsa-atleta.
Mais beneficiados ainda serão os atletas de bolão. O esporte, ancestral do boliche, teve mais contemplados pelo programa do governo, 47, do que esportes olímpicos como ginástica artística (27) e remo (36).
"Quando soube que ia receber a bolsa, fiquei mais espantado do que feliz. Achei que não teria chances porque o bolão é pouco conhecido", conta Rogério Arkie, 36, campeão brasileiro individual do esporte e quarto no Mundial da Alemanha.
"O bolão é muito praticado na Alemanha. Quando cheguei lá, perguntei se eles achavam se era esporte ou diversão. Eles consideram esporte", conta Arkie, que receberá uma bolsa-atleta nacional em 2009.
Muito acima do bolão, entre os não-olímpicos, porém, está o rúgbi. No total, 140 atletas ganharam a bolsa. No ranking geral de contemplados, perde só para atletismo, natação e judô.
Esse dado contraria um dos objetivos do Bolsa-Atleta que é "investir prioritariamente nos esportes olímpicos e paraolímpicos". Para o presidente da Associação Brasileira de Rugby, Roberto de Magalhães Gouvêa, os olímpicos já recebem muita verba do governo federal.
"A torta é grande. A maioria dos pedaços vão para as confederações olímpicas. O resto é repartido entre uma centena de associações filiadas ao ministério. Isso tem que mudar."


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