São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2006

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FUTEBOL

As amantes e o futebol

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Adulto leitor, adúltera leitora, confesse: você tem um(a) amante. Se não tem, já teve. Não, não adianta negar. Todos nós já caímos neste pecado. Eu mesmo já o cometi. E mais de uma vez. O pior é que não me arrependo. Faz parte da vida. Às vezes a gente cansa e precisa mesmo dar uma variada.
A amante faz coisas diferentes, de uma forma com a qual não estamos acostumados. As cores são outras, a velocidade é outra e outras são as táticas. A minha primeira foi a holandesa. Ah, ela girava como eu nunca tinha visto.
É claro que estou falando de equipes-amantes. Aquela equipe para a qual você torce quase secretamente, aquela para a qual, se já não estivesse casado com uma respeitável agremiação, você torceria com fervor. A minha primeira foi a seleção holandesa em 74. Aquela camisa laranja, aqueles jogadores correndo para todos os lados e aquela busca constante de gol me conquistaram. Lamentei muito quando ela perdeu para a Alemanha. E, na Copa seguinte, fiquei triste quando ela foi derrotada pela Argentina.
Nesta Copa, todos terão uma amante, uma paixão não confessada. O Brasil será nosso cônjuge, mas muitos torcerão para Portugal de Felipão ou para a simpática Angola. Estas, aliás, com a Holanda, formarão meu harém.
Mas os amantes não precisam ser seleções nacionais. Às vezes basta um simples vizinho ou um conterrâneo. Eu, por exemplo, tenho especial simpatia pela Portuguesa Santista. E ainda arrasto uma asa pelo Jabaquara.
Estes amantes futebolísticos servem de consolo quando nossa equipe-cônjuge não nos satisfaz. Se nosso time vai mal e a equipe amante se mostra fogosa e brilhante, nos sentimos recompensados. Como disse o comentarista esportivo Machado de Assis, a felicidade é uma questão de sorte, uma loteria, e sempre tem mais chance quem possui dois bilhetes.
Uma ardorosa fã do desclassificado Atlético-PR, por exemplo, pode agora estar flertando com o Adap. Um torcedor apaixonado, mas decepcionado com o Atlético-MG, pode buscar refúgio nos braços do jovem Ipatinga. E uma fiel torcedora do Bahia, que está fora da final do primeiro turno, talvez busque o colo do Colo Colo.
Também é muito comum ter amantes em outros Estados. Há, por exemplo, quem seja Fluminense no Rio mas também seja são-paulino em São Paulo e gremista no Sul. No caso, trata-se quase de uma fidelidade ao princípio tricolor.
E, curiosamente, há muitos que realmente buscam amantes parecidos com os cônjuges. Há o que é Flamengo e Corinthians porque os dois são populares, há os que são Botafogo e Santos porque são times de sucesso na década de 60, e há os que torcem pelos Américas, sejam do Rio, de Minas ou do Rio Grande do Norte.
O problema das equipes-amantes é que um dia elas vão se encontrar. É inevitável. E aí, caro infiel, não tem jeito. Você vai ter que escolher. E, qualquer que seja a sua escolha, você ficará com um gosto de derrota na boca.

Santos em São Paulo
Neste sábado estive no chuvoso Pacaembu, atchim!, para ver Santos x Juventus. O estádio cheio, com mais de 34 mil pessoas, não deixa dúvida: o Santos tem que jogar em São Paulo mais vezes. É uma questão de marketing e de justiça.

Museu da Língua
Já no domingo, fui espirrar, digo, visitar, o Museu da Língua Portuguesa. Pensei que veria algo chato, como um jogo entre dois times que só tivessem zagueiros. Estava enganado. E muito. Se fosse futebol, o museu seria um clássico emocionante, daqueles de assistir de pé. O lugar é divertido, belo e inteligente. Visita obrigatória. E, entre as atrações, que não conto para não estragar as surpresas, há um bom documentário sobre futebol e palavras.

E-mail torero@uol.com.br


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