São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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O MARATONISTA

HERÓI no infortúnio

Público no Estádio Panathinaiko se choca com o ataque a Vanderlei Cordeiro de Lima e vem abaixo quando o brasileiro desponta na cabeceira da pista, num dia em que Atenas vive clima de fim de festa

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Último dia: os momentos finais do percurso são feitos em ritmo de correria, já que é preciso chegar ao estádio Panathinaiko antes de Vanderlei Cordeiro de Lima, que está vencendo a maratona de verdade.
Por toda a cidade, do hotel ao estádio, já se sente um clima de saudade do que ainda não acabou. "Trabalhamos muito, mas vamos sentir falta de toda essa movimentação", diz, na recepção do hotel, a voluntária Agapi.
Muitos de seus colegas aproveitam o fim dos jogos para tirar folga por conta própria: "70% dos meninos resolveram que não viriam hoje, porque era o último dia. Foram todos para o estádio se divertir e me deixaram aqui sozinha, você acredita?", queixa-se a voluntária Magdalini Iannou, coordenadora do atendimento no hotel. Para alguém que está acostumado com a mentalidade brasileira, o abandono não parece tão inverossímil assim.
No estádio, como sempre, a torcida verde-amarela contamina estrangeiros de todas as nacionalidades: "Brassil! Brasssil! Brasssil!", gritam australianas.
O advogado inglês Terry Worsfold, 55, veste uma camisa da seleção que ele ganhou no jogo de vôlei de praia, quando se enfronhou na torcida brasileira. "Gosto dessas cores, são fortes, tenho assistido a tudo com ela", diz Worsfold, que, para conseguir um lugar na primeira fila, chegou no Panathinaiko um pouco antes das 18h.
Todos acompanham a corrida pelo telão colocado na parte aberta do estádio, que tem formato de ferradura. Sempre que o brasileiro aparece, a maioria aplaude, exceção feita a um grupo de seis japoneses que balançam com robótica precisão bandeiras de seu país. Vistos de longe, parecem uma plantação de tomates ao vento estilizada.
Há também um pequeno bolo de italianos comandado por um careca gorducho, muito vermelho de tanto gritar "Itáááááááália", que pula e assovia enrolado em bandeiras.
Quantas pessoas estão nas arquibancadas?
Como sempre muito vagos, os gregos (no caso, os policiais) arqueiam as sobrancelhas, comprimem os lábios e levantam o queixo: ninguém sabe informar. "Pode ter de 18 mil a 28 mil pessoas", arrisca uma policial. Mas 10 mil pessoas é muita gente. Não dá para dizer algo mais aproximado?
A policial chama um colega, que chama outro, e os três acabam recorrendo a um fardado mais velho, com cara mal-humorada, que fala como quem tem que dar uma satisfação mas não está a fim de pensar muito: "São 28 mil".
No telão, Vanderlei avança célere na dianteira, quando é interpelado por um sujeito de saia kilt que invade a pista e o agarra, arrastando-o para a lateral. "Ohhhhhh", gritam todos, muitos se levantando sem acreditar no que está acontecendo.
A confusão dura segundos: quando o corredor consegue se desvencilhar e reaparece na pista, é aplaudido copiosamente por todo o estádio. O incidente parece reforçar a fantasiosa imagem de herói no infortúnio que o brasileiro suscita. "A gente torce pelos brasileiros porque, mesmo levando uma vida difícil, nas piores situações eles estão sempre alegres", diz o programador de sistemas grego Kattis Lucas, 28.
Apesar de ter chegado em terceiro lugar, o corredor foi o mais ovacionado da prova. O estádio veio abaixo quando ele despontou na cabeceira da pista.
"Todo mundo preocupado com bomba, os Estados Unidos cheios de segurança, e quem sofre o atentado é a gente. É mole?", pergunta o engenheiro civil carioca Felipe Monteiro, 34.
Como afirma o grego Lucas, haja repertório para construir um raciocínio desses depois do que aconteceu. Saudade do Brasil.


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