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O MARATONISTA
HERÓI no infortúnio
Público no Estádio Panathinaiko se choca com o ataque a Vanderlei Cordeiro de Lima e vem abaixo quando o brasileiro desponta na cabeceira da pista, num dia em que Atenas vive clima de fim de festa
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Último dia: os momentos finais
do percurso são feitos em ritmo
de correria, já que é preciso chegar ao estádio Panathinaiko antes
de Vanderlei Cordeiro de Lima,
que está vencendo a maratona de
verdade.
Por toda a cidade, do hotel ao
estádio, já se sente um clima de
saudade do que ainda não acabou. "Trabalhamos muito, mas
vamos sentir falta de toda essa
movimentação", diz, na recepção
do hotel, a voluntária Agapi.
Muitos de seus colegas aproveitam o fim dos jogos para tirar folga por conta própria: "70% dos
meninos resolveram que não viriam hoje, porque era o último
dia. Foram todos para o estádio se
divertir e me deixaram aqui sozinha, você acredita?", queixa-se a
voluntária Magdalini Iannou,
coordenadora do atendimento no
hotel. Para alguém que está acostumado com a mentalidade brasileira, o abandono não parece tão
inverossímil assim.
No estádio, como sempre, a torcida verde-amarela contamina estrangeiros de todas as nacionalidades: "Brassil! Brasssil! Brasssil!", gritam australianas.
O advogado inglês Terry Worsfold, 55, veste uma camisa da seleção que ele ganhou no jogo de vôlei de praia, quando se enfronhou
na torcida brasileira. "Gosto dessas cores, são fortes, tenho assistido a tudo
com ela", diz Worsfold,
que, para conseguir um
lugar na primeira fila,
chegou no Panathinaiko
um pouco antes das 18h.
Todos acompanham a
corrida pelo telão colocado na parte aberta do
estádio, que tem formato de ferradura. Sempre
que o brasileiro aparece,
a maioria aplaude, exceção feita a um grupo de
seis japoneses que balançam com robótica
precisão bandeiras de
seu país. Vistos de longe, parecem uma plantação de tomates ao vento estilizada.
Há também um pequeno bolo de italianos
comandado por um careca gorducho, muito vermelho de tanto
gritar "Itáááááááália", que pula e
assovia enrolado em bandeiras.
Quantas pessoas estão nas arquibancadas?
Como sempre muito vagos, os
gregos (no caso, os policiais) arqueiam as sobrancelhas, comprimem os lábios e levantam o queixo: ninguém sabe informar. "Pode ter de 18 mil a 28 mil pessoas",
arrisca uma policial. Mas 10 mil
pessoas é muita gente. Não dá para dizer algo mais aproximado?
A policial chama um colega, que
chama outro, e os três acabam recorrendo a um fardado mais velho, com cara mal-humorada, que
fala como quem tem que dar uma
satisfação mas não está a fim de
pensar muito: "São 28 mil".
No telão, Vanderlei avança célere na dianteira, quando é interpelado por um sujeito de saia kilt
que invade a pista e o agarra, arrastando-o para a lateral.
"Ohhhhhh", gritam todos, muitos se levantando sem acreditar
no que está acontecendo.
A confusão dura segundos:
quando o corredor consegue se
desvencilhar e reaparece na pista,
é aplaudido copiosamente por todo o estádio. O incidente parece
reforçar a fantasiosa imagem de
herói no infortúnio que o brasileiro suscita. "A gente torce pelos
brasileiros porque, mesmo levando uma vida difícil, nas piores situações eles estão sempre alegres", diz o programador de sistemas grego
Kattis Lucas, 28.
Apesar de ter chegado
em terceiro lugar, o corredor foi o mais ovacionado da prova. O estádio
veio abaixo quando ele
despontou na cabeceira
da pista.
"Todo mundo preocupado com bomba, os Estados Unidos cheios de
segurança, e quem sofre
o atentado é a gente. É
mole?", pergunta o engenheiro civil carioca Felipe Monteiro, 34.
Como afirma o grego
Lucas, haja repertório
para construir um raciocínio desses depois do
que aconteceu. Saudade
do Brasil.
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