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Pai herói
Depois de cogitar até uma derrota, Bernardinho se diz aliviado com ouro da 'família'
LUÍS CURRO
ADALBERTO LEISTER FILHO
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS
Por mais estranho que pareça,
Bernardo Rezende, 45, o Bernardinho, afirmou que passou pela
sua cabeça, momentaneamente, a
idéia de que seria melhor a seleção
de vôlei perder a final olímpica.
Tudo isso pelo receio de, em caso de
vitória, ser transformado em herói pela
população brasileira, algo que não
quer que aconteça
de jeito nenhum.
"Estava caminhando horas antes
do jogo e pensei:
"Será que não vai ser bom perder,
para que eu não vire herói?". Porque eu não sou herói, sou apenas
humano", declarou.
O time venceu, e o treinador terá agora de aceitar, ao lado dos jogadores, esse papel.
Exigente, centralizador e perfeccionista, Bernardinho tornou-se o
único treinador brasileiro a "medalhar" em Olimpíadas no comando de times masculino e feminino. Em Atlanta-96 e em
Sydney-00, foi bronze dirigindo
as mulheres do vôlei. Conquistou
também uma medalha como jogador, a prata em Los Angeles-84.
Com os homens, obteve em
Atenas seu 12º título em 15 competições disputadas desde 2001,
quando assumiu uma equipe desmotivada pelo sexto lugar em
Sydney. Foram dois segundos lugares e um bronze -no Pan de
Santo Domingo-2003, tido como
o pior momento da equipe.
O técnico apostou, como fórmula para o sucesso, em manter a
mesma base atletas desde o início
do trabalho. Formou assim a "família Bernardinho" -vários jogadores dizem ter a sensação de
passar mais tempo com os colegas
do que com os parentes.
Além da manutenção do mesmo grupo, Bernardinho é adepto
da filosofia de treino, treino, treino. A excelência pela repetição.
"No começo, treinávamos a
partir das 9h. Depois, baixamos
para as 8h. Agora, os treinos estavam começando às 7h. Para nos
mantermos à frente, tem que ser
às 6h. Mas não sei se vai ser possível", disse ele, um workaholic assumido. "Aqui ninguém vai falar
de sorte, só de trabalho."
Contra a Itália, disse ter tirado
"um enorme peso dos ombros".
"Você sabe dizer quantos times
deixaram o país sendo favoritos e
voltaram com o título? Poucos,
muito poucos", explicou, referindo-se à pressão a que ele e o time
foram submetidos.
Não só à pressão mas também à
expectativa do público brasileiro.
"Recebemos milhares de e-mails
nos pedindo a medalha de ouro."
Para ele, sua seleção, devido à
maior atenção que recebe da mídia, mexia muito mais com o imaginário das pessoas do que outros
favoritos em esportes individuais.
Citou Robert Scheidt, ouro na
classe laser da vela, como exemplo. "A vela é por pontos corridos.
Em dez regatas, o cara que ganhar
oito leva o ouro. Sempre vai ganhar o melhor. No vôlei não. Perdeu um jogo, você está fora. E, como o vôlei é mais popular, exigiam mais da gente."
Tanto que a primeira sensação
ao vencer os italianos foi de "alívio". Isso depois que ele descobriu que o jogo tinha terminado, o
que demorou alguns instantes.
Disse que só sentiu mesmo a
realidade da vitória no pódio
quando os atletas, com a medalha
no pescoço, cantaram o hino
-muitos deles, como Ricardinho
e Nalbert, chorando.
Movido a desafios, Bernardinho
negou-se a dizer se pretende iniciar um outro ciclo olímpico, que
culminaria na criação de um novo
projeto, cujo último passo seria o
ouro em Pequim-08. "Tenho que
pensar, falar com a minha mulher, ver o que os atletas pensam,
ver com a confederação."
Se depender dessa tríade, ele fica. "Só sai se quiser", declarou
Ary Graça Filho, presidente da
CBV. "Peço que continue por
mais um ciclo olímpico", afirmou
Giba, porta-voz da seleção. "Acho
que ele segue. Até já me confidenciou alguma vezes que gostaria de
continuar mais quatro anos", afirmou, indicando o caminho, a mulher, Fernanda Venturini.
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