São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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Pai herói

Depois de cogitar até uma derrota, Bernardinho se diz aliviado com ouro da 'família'

LUÍS CURRO
ADALBERTO LEISTER FILHO
GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS

Por mais estranho que pareça, Bernardo Rezende, 45, o Bernardinho, afirmou que passou pela sua cabeça, momentaneamente, a idéia de que seria melhor a seleção de vôlei perder a final olímpica.
Tudo isso pelo receio de, em caso de vitória, ser transformado em herói pela população brasileira, algo que não quer que aconteça de jeito nenhum.
"Estava caminhando horas antes do jogo e pensei: "Será que não vai ser bom perder, para que eu não vire herói?". Porque eu não sou herói, sou apenas humano", declarou.
O time venceu, e o treinador terá agora de aceitar, ao lado dos jogadores, esse papel.
Exigente, centralizador e perfeccionista, Bernardinho tornou-se o único treinador brasileiro a "medalhar" em Olimpíadas no comando de times masculino e feminino. Em Atlanta-96 e em Sydney-00, foi bronze dirigindo as mulheres do vôlei. Conquistou também uma medalha como jogador, a prata em Los Angeles-84.
Com os homens, obteve em Atenas seu 12º título em 15 competições disputadas desde 2001, quando assumiu uma equipe desmotivada pelo sexto lugar em Sydney. Foram dois segundos lugares e um bronze -no Pan de Santo Domingo-2003, tido como o pior momento da equipe.
O técnico apostou, como fórmula para o sucesso, em manter a mesma base atletas desde o início do trabalho. Formou assim a "família Bernardinho" -vários jogadores dizem ter a sensação de passar mais tempo com os colegas do que com os parentes.
Além da manutenção do mesmo grupo, Bernardinho é adepto da filosofia de treino, treino, treino. A excelência pela repetição.
"No começo, treinávamos a partir das 9h. Depois, baixamos para as 8h. Agora, os treinos estavam começando às 7h. Para nos mantermos à frente, tem que ser às 6h. Mas não sei se vai ser possível", disse ele, um workaholic assumido. "Aqui ninguém vai falar de sorte, só de trabalho."
Contra a Itália, disse ter tirado "um enorme peso dos ombros".
"Você sabe dizer quantos times deixaram o país sendo favoritos e voltaram com o título? Poucos, muito poucos", explicou, referindo-se à pressão a que ele e o time foram submetidos.
Não só à pressão mas também à expectativa do público brasileiro. "Recebemos milhares de e-mails nos pedindo a medalha de ouro."
Para ele, sua seleção, devido à maior atenção que recebe da mídia, mexia muito mais com o imaginário das pessoas do que outros favoritos em esportes individuais. Citou Robert Scheidt, ouro na classe laser da vela, como exemplo. "A vela é por pontos corridos. Em dez regatas, o cara que ganhar oito leva o ouro. Sempre vai ganhar o melhor. No vôlei não. Perdeu um jogo, você está fora. E, como o vôlei é mais popular, exigiam mais da gente."
Tanto que a primeira sensação ao vencer os italianos foi de "alívio". Isso depois que ele descobriu que o jogo tinha terminado, o que demorou alguns instantes.
Disse que só sentiu mesmo a realidade da vitória no pódio quando os atletas, com a medalha no pescoço, cantaram o hino -muitos deles, como Ricardinho e Nalbert, chorando.
Movido a desafios, Bernardinho negou-se a dizer se pretende iniciar um outro ciclo olímpico, que culminaria na criação de um novo projeto, cujo último passo seria o ouro em Pequim-08. "Tenho que pensar, falar com a minha mulher, ver o que os atletas pensam, ver com a confederação."
Se depender dessa tríade, ele fica. "Só sai se quiser", declarou Ary Graça Filho, presidente da CBV. "Peço que continue por mais um ciclo olímpico", afirmou Giba, porta-voz da seleção. "Acho que ele segue. Até já me confidenciou alguma vezes que gostaria de continuar mais quatro anos", afirmou, indicando o caminho, a mulher, Fernanda Venturini.


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