São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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SONINHA

À revelia


Não temos motivo para otimismo com o futebol feminino -só a fé no talento e resiliência das jogadoras

NÃO ME venham com essa história de "agora vai".
Essa é minha primeira reação diante da nova onda de otimismo, surgida com a classificação do Brasil para a final da Copa da China. Foi também o que pensei depois do ouro no Pan, da prata em Atenas, do ouro em Santo Domingo...
E quando Marta foi indicada para o prêmio de Melhor do Ano da Fifa, depois de ter sido "Bola de Ouro" no Sub-19 em 2004. Ou quando ganhou o prêmio. Quando ela e Daniela foram apontadas como "estrelas em ascensão" em 2002, no Canadá. Ou quando Sissi foi "Chuteira de Ouro" no Mundial dos EUA-99.
Não vai, minha gente, não vai.
A CBF, em cujo site não encontrei sequer a relação das jogadoras defendendo o Brasil agora (talvez esteja bem escondida), anuncia o "entusiasmo" do presidente com a possibilidade de realizar uma Copa do Brasil em outubro. Outubro! Nem concluíram o levantamento dos times e querem organizar uma competição nacional daqui a 30 dias!
Os estadunidenses estão envergonhados a derrota (feia!) de seu time após 51 jogos. E se dividem entre os que estão revoltados com o técnico, que trocou a goleira na semifinal, e com a goleira preterida, que disse que pegaria duas das bolas que entraram. Com os que usam a troca para eclipsar o baile que o time levou. Com a atleta que disse que o resultado não prova que o Brasil é melhor.
Lá eles discutem se a seleção se acostumou com a superioridade e parou no tempo; se o técnico não se baseia apenas em discurso motivacional; se não é inevitável que as outras equipes melhorem ("não tem mais boba!"). E suspiram: "Precisamos desenvolver nossas próprias Martas e Cristianes".
Nós também.
Enquanto eles discutem futebol, nós continuamos falando de emprego. Sabe qual é o "maior desejo" de Daniela Alves, duas vezes "melhor em campo" na Copa? "Jogar profissionalmente em meu país". Irreal, não? Em 2004, logo após a final olímpica, a CBF prometeu "subvenção" ao futebol feminino.
"Ricardo Teixeira não soube dizer como será o projeto, mas espera captar recursos com patrocinadores", registrou a Folha. Eram tão sinceras as intenções e tão consistentes os planos que, na mesma entrevista, ele admitiu: ""Gostaria que todas recebessem convites [para jogar no exterior], como acontece com os jogadores da seleção masculina." Muitíssimo interessado em fomentar a prática por aqui...
(Naquele ano, Andréia, que jogava na Espanha, lamentou: "Tive que me apresentar na seleção e perdi o contrato").
Mas vou dar uma de maluca. Algo me diz que "agora vai", sim. Porque tem mais gente aplaudindo as garotas, com mais gosto e menos condescendência. Porque é certo que milhares de meninas vão procurar lugares para jogar. Porque com a pressão de baixo para cima pode acabar surgindo uma liga.
Tão velho quanto o meu pessimismo inicial é a metáfora final, mas vamos lá: acostumadas a driblar moças mais fortes e mais ricas, as jogadoras brasileiras ainda vão dar um olé no descaso e/ou incompetência dos dirigentes. Como aquele da Marta na inesquecível semifinal de quinta-feira.

soninha.folha@uol.com.br

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