São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

Crepúsculo no Pinguim


Ao adiar a aposentadoria para jogar em Ribeirão, Vieri faz pensar na melancolia dos fins de carreira


COMO NA FRASE atribuída ao ex-centroavante colorado Claudiomiro, Christian Vieri "fez que foi, não foi e no fim acabou fondo" para o Botafogo de Ribeirão Preto, dias depois de anunciar sua aposentadoria.
Poucas coisas, no futebol, são mais tocantes que esses epílogos de carreiras acidentadas, em que um jogador que já viu dias de glória pendura finalmente as chuteiras, mas em seguida pensa melhor e as calça de novo para prolongar um pouco mais a jornada atuando num time modesto, como quem estica ao máximo a tarde, o verão, a vida.
Quem se lembra, por exemplo, de que Edmundo, em 2005, jogou brevemente pelo Nova Iguaçu, da segunda divisão fluminense, e ameaçou pendurar as chuteiras, antes de renascer no Figueirense e voltar aos dois clubes em que mais tinha brilhado, o Palmeiras e o Vasco?
Eu mesmo vi o grande Jairzinho, aos 34 anos, atuar pelo Noroeste de Bauru numa noite esquecível de 1978. Parecia o fim, mas depois daquilo ele ainda passaria por dois clubes do Amazonas (Fast e Nacional) e pelo Jorge Wilstermann, da Bolívia, antes de retornar ao seu Botafogo (o do Rio) e se aposentar no obscuro Nove de Outubro, do Equador.
É curioso que Vieri percorra o caminho oposto ao de Sócrates e Raí, que saíram do Botafogo de Ribeirão Preto para o mundo. Mas tudo é singular na carreira do veterano centroavante. Nascido em Bolonha, ele cresceu e aprendeu a jogar bola na Austrália. De volta a seu país, atuou em nada menos que 13 clubes italianos, além de um espanhol (Atlético de Madri) e um francês (Mônaco).
Vice-artilheiro da Copa do Mundo de 1998, teve a melhor fase nos anos seguintes, jogando pela Inter de Milão. Vigoroso, trombador, nunca foi um craque refinado, mas fazia seus gols com certa regularidade.
Percebo que estou falando dele no passado, como se fosse um ex-atleta (ou pior, como se tivesse morrido).
O engraçado é que a Wikipedia faz a mesma coisa. Embora a duvidosa enciclopédia virtual registre sua contratação pelo Botafogo, afirma que ele "era um futebolista muito talentoso".
E é justamente para refutar ou adiar esse pretérito verbal que Vieri vai buscar dentro de si um alento extra que o mantenha em campo, sob o sol cruel do interior paulista, disputando a bola com garotos que mal eram nascidos quando ele começou na profissão e talvez nunca tenham ouvido seu nome.
Se ele gostar de chope (e quem não gosta?), poderá, depois de uma batalha, espairecer numa mesa do Pinguim, erguendo um brinde à vida e dizendo, como Drummond: "Ganhei (perdi) meu dia".

O guru Cantona
A certa altura do filme de Ken Loach "À Procura de Eric", exibido na Mostra Internacional de Cinema de SP, o ex-atacante e "bad boy" Eric Cantona diz que seu lance mais belo não foi um gol, mas um passe. E vemos o lindo passe que ele dá, de trivela, fazendo a bola passar por cima da zaga e colocando um companheiro do Manchester livre na cara do gol.
É um lance mágico, que serve para Loach, o último comunista do mundo, fazer o elogio da solidariedade e da ação coletiva.

jgcouto@uol.com.br


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