São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2010

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MENINA madura

Jade Barbosa revela como superou dramas, como morte da mãe e lesão irreversível , para voltar a brilhar na ginástica artística

Rafael Andrade/Folhapress
A ginasta carioca no ginásio do Flamengo

CRISTIANO CIPRIANO POMBO
DE SÃO PAULO

"Não, ainda não sou uma mulher. Mulher é uma palavra muito forte. Estou mais madura sim. Não tenho mais 15, 16 anos. Tenho 19. Mas tenho que aprender muito."
Assim a carioca Jade Barbosa, 19, se vê após recuperar o status de estrela da ginástica artística feminina do país ao ir ao pódio no Mundial de Roterdã, o mais concorrido da história (com 537 atletas).
Ela diz hoje que não é capaz de surpreender o mundo, como fez aos 13 anos, quando foi a mais jovem a executar o duplo twist carpado de Daiane dos Santos. Mas afirma ser capaz de se surpreender.
"Eu só queria competir bem no Mundial. E ganhei medalha [de bronze]. Para mim, foi surpresa", diz Jade.
Mas admite que, a exemplo de 2007, quando levou a medalha de bronze no individual geral (soma de solo, trave, paralelas assimétricas e salto), a ficha ainda não caiu.
Para ela, a volta à ginástica, iniciada de forma tímida no meio do ano passado, e o namoro com o ginasta Henrique Motta, que dura quatro meses, marcam "o início de um bom momento" em sua vida, após tantos desalentos.
"Eu não tinha alternativa, a não ser voltar para a ginástica", diz Jade, revelando que pensou em parar com a carreira devido à lesão irreversível que carrega no punho direito -necrose no osso capitato-, sofrida na preparação para a Olimpíada de 2008.
"Pensei muitas vezes que não daria. A dor era forte, e ninguém achava solução", diz a atleta do Flamengo.
Essa foi a segunda vez que cogitou sair do esporte -a primeira foi aos dez anos, ao perder a mãe, Natália, vítima de aneurisma, em 2001.
Ela diz que a ginástica, que já havia feito com que ela superasse a morte da mãe, foi vital de novo para que retomasse a rotina e ficasse mais forte. "Eu amadureci neste processo. Foi muito doloroso, nem gosto de falar. Só me lembro de que eu brincava com meu pai, dizendo a ele que, para Deus, eu era muito especial mesmo, pois até na lesão eu era diferente, rara."
Tão rara quanto Jade, que, ao ser descoberta no Flamengo, fez a então treinadora Georgette Vidor declarar que a atleta se tratava de "uma em um milhão" pelo talento.
Mas só a técnica apurada não aplacou as dores, o que só foi possível devido ao que chama de "rede do amor", com o apoio da família (pai, madrasta e irmão) e a compreensão dos técnicos (Viviane Cardoso e Ricardo Pereira), que lhe permitem dosar o treino conforme seu estado.
O namorado também, diz ela, é importante. "Ele [Henrique] era o que eu precisava, pois eu não tinha com quem dividir as coisas no ginásio. E, como atleta, ele entende, me cobra e me acompanha."

VIDA NOVA
Para Jade, com o fim da seleção permanente e o regime fechado em Curitiba, após a Olimpíada-08, um mundo se abriu, e nele antigas paixões voltaram à vida, como ir à praia, pular carnaval, fazer amigos, estudar, desenhar, tomar sorvete e beber água.
Ingerir o líquido incolor, inodoro e insípido, aliás, foi uma conquista para ela, que revelou ter recorrido ao chuveiro para matar a sede às vésperas dos Jogos -dirigentes vetavam a água, na crença de que ela tornava as ginastas mais pesadas.
"Hoje bebo dois litros por dia, normal", diz ela, que, assim, consegue controlar os cálculos renais -ela tinha 15 pedras há um ano e meio.
Entrou água, saíram remédios. E, após quase um ano de rusgas com a antiga direção da confederação de ginástica e de mendigar atrás de cura -vendia camisas para comprar remédio-, Jade sonha em voltar à Olimpíada.
"Felizmente, ela achou um caminho. Não há como curá-la e mantê-la no esporte. Não há histórico no mundo de que isso tenha sido feito. Ficamos felizes pela conquista dela e, se mantiver o cuidado de hoje, pode ir além, pois é guerreira", diz Jinmy Rocha, médico coordenador da CBG e que integrou a junta médica que liberou Jade para voltar a treinar com a seleção.

CORAGEM
Assinar o documento em que se responsabiliza por agravamentos que possam ocorrer em seu pulso, afirma Jade, não foi o que exigiu dela mais força e coragem.
Recuperar o tempo perdido ao pensar 24 horas por dia apenas no esporte foi. "A ginástica atrasa muita coisa na vida de uma menina. Quer exemplo, a menstruação, que não veio para mim como costuma ser normalmente."
Ela tem tirado todo o atraso possível. "É diferente de Curitiba, onde a nossa comida já tinha sido escolhida, o café da manhã também. Agora faço minhas escolhas. E, sempre que posso, não paro em casa, vou ao cinema, à praia, à Beija-Flor", afirma.
Com isso, tem derrubado barreiras, entre elas o sexo. "Uma hora ia acontecer. Acontece com todo mundo. Comigo também."
Ao dizer que não sente angústias e medos -ela faz terapia desde 2008- e que redescobriu o prazer ao estudar desenho industrial -antes, tinha aulas no QG da seleção-, Jade vê que até suas lágrimas estão diferentes. "Antes, parecia que eu sofria, mas era choro de angústia, dor. Hoje não, quando choro, é por emoção, nada de dó."
Ela festeja a aprovação, pelo Ministério do Esporte, do projeto de seu instituto, Jade Barbosa, um Sonho para Todos, que será criado na Beija-Flor, para 300 crianças. "Hoje tudo está dando certo. Então é manter e melhorar."
Mas, ao mesmo tempo em que diz ainda não se sentir uma mulher feita, só duas questões a deixam encabulada: 1) se colocaria uma filha na ginástica ("Não sei. É difícil, como esportista, dizer. Mas é melhor deixá-la escolher") e 2) se aceitaria posar nua ("Nossa, é complicado. Acho que não. Adoro as minhas pernas, mas hoje não").
Só uma questão a faz se fechar. "Meu peso? Isso não falo." Então, já é mulher? "Eu ainda tenho tempo pra isso."


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