São Paulo, segunda, 3 de maio de 1999

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crítica Sobrinhos, ela até que canta bem!

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Muitos teóricos têm tentado explicar o fenômeno Tiazinha. Afinal, depois de estourar nas paradas, tal fenômeno precisa ser desvendado para o bem da nação, perplexa diante dos caminhos seguidos pela sua música popular.
Na trilha por onde passou o samba de Noel, a bossa de Jobim, a tropicália de Veloso, o rock de Russo e a batida de Science, o carro alegórico extravagante de Carla Perez e Tiazinha encerra o desfile. O país se rende em definitivo ao "shake-to-shake" de traseiros femininos.
"Decifra-me ou te devoro, sou a máscara fêmea. Onde o mundo vai parar?", canta com ironia a própria Tiazinha, na música "Tiazinha, Você é Minha" do CD que acaba de sair do forno batizado de "Tiazinha Faz a Festa" (produzido por Líber Gadelha).
Acho que foi o jornalista Elio Gaspari quem a definiu como o símbolo da era FHC: "Bate, que eu gosto". Alguém já afirmou que ela é a mulher ideal dos encantos machistas, bonita, lasciva e muda. Seu criador, Luciano Huck, disse que o segredo é a máscara, pois todas podem se transformar em Tiazinha da noite pro dia. Basta um paninho preto com dois furinhos nos olhos.
Pensei que, talvez, sua representação espelhe o que o brasileiro sente diante do neoliberalismo, assistindo inerte ao encolhimento do Estado e a venda de algumas estatais, arrancadas como pêlos periféricos numa depilação: dói, mas quem precisa deles, afinal?
Pode ser que Tiazinha não passe de uma grande piada, o último respiro dos ideais da mulher objeto; o homem sabe que seus dias estão contados, que as mulheres vão conquistar territórios e inventa uma Tiazinha dominadora que "mexe gostoso..."
"Mulher tem essa vantagem, não tem que dar mole pra ninguém", responde Tiazinha na faixa "Sou Mais Eu": "Eu gosto de aparecer, de sair e me divertir..." Definitivamente, ela não quer ficar em casa, cuidar da cozinha, encostar o umbigo no tanque nem trocar as fraldas do Júnior.
É surpreendente como a tia mascarada, essa máquina de dinheiro, é bem assessorada, finca os pés na sua autenticidade, sabe o que faz. Sua "Playboy" já bateu o recorde de vendagem. E o CD não é desprezível. É funk de primeira, bem produzido, apesar de ter a companhia de alguns pagodes de segunda.
O CD tem as mãos de Theo Wernek, Vinny, Fausto Fawcett, Michael Sullivan, DJ Cuca. É dançante. E mais. Ela canta. Canta bem. Não é nenhuma Fitzgerald. Mas é afinadinha, tem bossa e malícia.
Logo na abertura, a poética Tchan mostra sua força: "Tiazinha, mexe essa bundinha..." As letras exploram o fenômeno. Pensando bem, as letras são bem ruinzinhas. Lembram o diário de um adolescente onanista e pouco criativo. Mas o que se queria, uma reflexão sobre a condição humana?
O estilo Tchan é inspirado na música "Dança da Tiazinha": "Tem que saber depilar e mexer a bundinha.. Põe a mão no joelho e começa a descer..." Rola até um pagode com a participação de Alexandre Pires (não é ele o homem de Carla Perez?). Rola ainda uma faixa bônus multimídia interativa, com fotos inéditas da tia mascarada acessíveis pelo computador.
O disco é para vender. Como num pacto, todos querem faturar alguns cobres, numa corrida contra o tempo, antes que o fenômeno seja esquecido ou substituído. E quem vai substituí-la, Sobrinhazinha ou Priminha? A Vovozinha não tem e$$e apelo. Não a minha.



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