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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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Alternativas de lazer para jovens em São Paulo revelam abismo social

Férias para quê?

MARCOS DÁVILA

Greg Salibian/Folha Imagem
Reinaldo Nunes Neto observa pelada em Parelheiros


FREE-LANCE PARA A FOLHA

As férias começaram. Ana Lúcia Miranda, 16, terminou o segundo colegial e agora pode aproveitar seu tempo livre em sessões de cinema no shopping Iguatemi, compras em lojas de grife na rua Oscar Freire, visitas a exposições de arte no Museu de Arte Moderna, apresentações de dança e de teatro no Teatro Municipal e matinês em boates da moda na Vila Olímpia. Tudo isso antes de viajar para Búzios.
Natália Nunes Leite Maia, 16, também concluiu o segundo colegial. Suas férias, porém, devem se resumir a olhar seus amigos correndo atrás da bola em um campinho de várzea e cuidar de seu primo de três anos, Reinaldo Nunes.
As duas vivem na mesma cidade, São Paulo, mas em mundos completamente diferentes. Ana mora no Jardim Paulista (região oeste) e Natália vive em Parelheiros (região sul), os dois extremos do Mapa da Juventude, pesquisa realizada neste ano pelo Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea) a pedido da Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de São Paulo. Em seis meses, os pesquisadores entrevistaram 2.260 jovens de 15 a 24 anos e dividiram a cidade em cinco zonas com base em percentuais de população jovem, mães adolescentes, viagens por lazer, crescimento populacional entre 1991 e 2000, mortalidade por homicídio, escolaridade, índice de mobilidade e rendimento familiar. O top da zona número 1 é o Jardim Paulista, que oferece as melhores condições para um jovem viver. Parelheiros ocupa o último lugar da zona 5, a mais precária para a juventude.
"Não tem muita coisa para fazer aqui, a gente vai inventando. Às vezes, a gente monta uma rede e brinca de vôlei", diz Natália, que mora no condomínio Vargem Grande, em Parelheiros, e nunca foi ao teatro.
"O cinema mais perto fica a uma hora e meia daqui, teatro só lá em Santo Amaro [igualmente longe]. Além disso, é preciso a grana do ônibus, que está muito caro". Quem reclama é Gleidson, 15, irmão mais novo de Natália, que vai passar a maior parte das férias num campo de futebol improvisado a alguns passos de sua casa.
"Bem que podiam fazer um shopping aqui, tem bastante espaço", afirma a irmã, apontando para um matagal em frente ao campinho.
Não é raro topar com vacas ou cavalos por ali. A impressão é a de estar em uma zona rural, e alguns hábitos dos jovens confirmam isso. "Às vezes, eu entro na mata com meu estilingue para caçar passarinho", diz Marcelo Munis Souza, 15, outro morador do bairro. Nas noites de férias, os adolescentes da região costumam se reunir em torno de uma fogueira para tocar violão.
Mas essa aparente "tranquilidade bucólica" não reflete a realidade. Na semana passada, a base da Polícia Militar mais próxima do bairro foi alvejada. Um dos acusados morreu baleado e os outros fugiram matagal adentro. Aquele mesmo, ao lado do campo de futebol.
"Jogar bola é o único divertimento que temos aqui", diz Tiago de Assis Santos, 16, que diz ter perdido muitos amigos de infância "para o crime". "Depois que a pessoa entra na droga, sobreviver muito tempo é milagre", diz.
No Jardim Guarujá -bairro pertencente ao distrito do Jardim Ângela, também inserido na zona 5-, a situação não é muito diferente. "Esse lugar foi esquecido. Antes tinha padaria, açougue, farmácia. Fechou tudo. Como estamos cercados de favelas, não dá para saber de que lado vem o bandido", diz Jean Batista da Silva, 19.
"Na calada, todo sujeito é suspeito, e toda quebrada é sinistra", recita o amigo Adriano Gonço dos Santos, 21, um verso que ele mesmo fez e que retrata a falta de segurança. A dificuldade de mobilidade é outro problema que se repete. "No final de semana, demora quase uma hora só para o ônibus passar. Tem McDonalds perto de casa, e não tem lazer. É revoltante", afirma Santos.
É no diminuto parquinho desse mesmo McDonalds que a universitária Flávia Cristina Souza, 21, às vezes leva sua irmã de três anos para brincar. Ela mora no Jardim das Flores e adora teatro, "mas as opções ficam muito longe". "Às vezes, alugamos seis filmes na locadora. Se tivesse teatro, a gente iria. É bem melhor do que a violência da televisão", diz. Segundo ela, as únicas vezes que sua irmã conseguiu ir ao teatro foram graças a iniciativas da escola estadual.
Algumas regiões da periferia estão mais bem equipadas, com projetos estaduais e municipais voltados para o jovem. Atualmente, os mais notórios são o Escola da Família, do Estado, e o CEU (Centro de Educação Unificado), da prefeitura. "Antes eu tinha de sair do bairro para poder andar de patins", afirma Anderson Alexandre Bento, 15, que virou frequentador assíduo da pista de skate do CEU São Mateus (região leste). Do alto da rampa, vê-se a imensidão de favelas do Jardim da Conquista. Há ainda um longo caminho para que todo jovem da periferia possa "tirar um lazer na paz".



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