São Paulo, segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

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livro

Coração pirata

Lendário tatuador de celebridades cool, o americano-brasileiro Jonathan Shaw escreve livro que se passa nas areias de Copacabana

MAYRA DIAS GOMES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se tivesse que escolher alguém para atravessar o inferno comigo, escolheria Jonathan Shaw (www.scabvendor.com). Para começar, é preciso dizer que este homem deixa uma tatuagem por onde quer que passe. Na pele, no coração ou na alma. Quando ele entra em sua vida, não há volta.
Nova-iorquino criado também em Los Angeles e no Rio de Janeiro, passou a adolescência lendo histórias em quadrinhos da EC Comics e pegando carona em navios cargueiros. Foi quando se apaixonou pelas figuras assombrosas encontradas nos inferninhos que rodeavam as docas e adentrou em um movimento ainda clandestino: o da tatuagem. Jonathan foi aprendiz de nomes lendários dessa subcultura.

Estúdio ilegal
Quando seu estúdio "Fun City" foi inaugurado em Nova York ilegalmente, a clientela, que se tornou uma variação de astros, era composta por uma sub-sociedade. Jonathan desenhava na pele do cliente, o que o preservou como um artista. Defensor da "old school" e um dos precursores do tribal moderno, lamenta o glamour que a tatuagem ganhou. Sua arte se dissimulou em uma busca por estilo e atenção.
O laço que tem com o trabalho talvez possa ser compreendido se analisarmos sua história. Filho do grande músico de jazz Artie Shaw, diz que o pai era um ser humano miserável.
Casado muitas vezes, Artie deixava claro: se não se dava bem com as mulheres, não poderia se dar bem com os filhos. Até o dia de sua morte em 2004, aos 94 anos, manteve sua indiferença. Jonathan passou só um ano com ele e, quando iniciaram o relacionamento, Artie o cortou de sua vida.
"Nenhuma pessoa com o mínimo de respeito por si mesmo aturaria esse abuso", diz Jonathan. As conseqüências do abuso, porém, surgem sempre sob diferentes formas.
Hoje ele é um adicto em recuperação e só tatua amigos. Cansou de ser etiqueta de grife. "Não vou voltar para essas sanguessugas corporativas."

Amigo de Bukowski
Depois de ter enveredado por outras áreas artísticas, como o cinema, se dedica à literatura. Jonathan era amigo de Bukowski e aprendeu a escrever lendo livros. Parou de estudar aos 12 anos e foi para as ruas. Passou a levar uma vida que oscilava entre botecos da Vila Mimosa e festas da alta sociedade. Dizem que, se Kerouac estivesse vivo, teria que recolher a vida de Jonathan para a continuação de "On The Road".
Seu romance "Narcisa - Our Lady Of Ashes", que tem tudo para virar um clássico, será publicado neste ano nos EUA e terá tradução em português.
O livro parece se agarrar ao exorcismo e agir como cirurgião espiritual, apesar de apostar na descrição. Conta a comovente história de Narcisa, que conhece Cigano na praia de Copacabana. Ela é uma jovem manipuladora, traumatizada e viciada em crack. Envolvida com o namorado obcecado e a vida marginal desde o início da pré-adolescência, diz que, se gostasse de homens, talvez o amasse. O vício de Cigano pela frieza da moça certamente vem do âmago de Jonathan.
É um sobrevivente manchado de sangue, um pirata. Nunca faz algo sem entregar sua alma. As más línguas dizem, porém, que o chefinho lá de baixo não perdeu tempo: já tem todos os direitos reservados.


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