São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2004

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VIDA NA CIDADE

Mesmo longe, não estamos alheios, São Paulo ainda é nossa cidade, seus problemas ainda nos dizem respeito e nos afetam

Um mundo à parte?

DIOGO BERCITO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eu me sinto felizardo por ter tido a oportunidade de morar em São Paulo por sete anos e então me mudar para um condomínio. Por causa disso, sou capaz de encontrar as qualidades e defeitos de modo quase imparcial.
Viver em um condomínio às vezes pode ser assustador. A gente acorda, entra no carro, acena para o mesmo segurança, vê as mesmas pessoas na rua, entra na escola, vê os mesmos amigos, sai, encontra conhecidos no ônibus, na aula de inglês, no shopping, na banca, no médico... (isso se seu médico não for pai de um amigo).
Isso pode ser um charme, um toque de cidade pequena, de comunidade, de fraternidade; mas é sufocante quando precisamos estar sozinhos ou sair sem preocupações, como arrumar o cabelo ou a roupa.
Se você pretende morar num condomínio e gosta de cantar no banheiro, cuidado! Seu vizinho pode conhecer aquela menina da sua classe de quem você está afim. Do mesmo modo que você deixa de andar pelas ruas de São Paulo por medo, morando em num condomínio você tem receio de deixar de pertencer a essa comunidade.
No entanto, as recompensas parecem ser suficientes para esquecermos isso. Quando me lembro da minha casa em São Paulo, penso que seria difícil abandonar tudo isso aqui e voltar para aquela vida: nada de jardim, grades nas janelas, caco de vidro no muro... É óbvio que essa descrição corresponde a uma realidade especifica que eu vivi, mas hoje é a minha lembrança mais forte sobre "morar em São Paulo".
Desde pequeno, a gente aprende a ter medo de cidade. Esse sentimento de proteção, porém, pode fazer com que morar aqui tenha um efeito negativo na nossa percepção.
Até que se atinja uma certa maturidade, há a sensação de que São Paulo está em constante guerra civil, sendo invadida por guerrilheiros, que devemos ter medo de ir para lá. Que somos extremamente sortudos por estarmos livres de tudo aquilo.
Para criarmos preconceitos é só mais um passo. Somos melhores, somos maiores, não temos crime... Mas então nosso pai fica doente e pensamos que é melhor levá-lo para São Paulo, para um hospital bom; precisamos comprar roupa e vamos para um shopping em São Paulo. Muitas vezes, temos que pegar o carro e ir atrás de produtos e serviços que não temos aqui.
Uma vez em São Paulo, temos que enfrentar nossos fantasmas. Torcemos o nariz, mas não adianta, temos medo. Por isso, é essencial saber morar em condomínio e perceber que só estamos morando longe, não estamos alheios. São Paulo ainda é nossa cidade, e seus problemas ainda nos dizem respeito e nos afetam.


Diogo Bercito, 16, é aluno do segundo ano do ensino médio

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