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VIDA NA CIDADE
Mesmo longe, não estamos alheios, São Paulo ainda é nossa cidade, seus problemas ainda nos dizem respeito e nos afetam
Um mundo à parte?
DIOGO BERCITO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Eu me sinto felizardo por ter tido a
oportunidade de morar em São
Paulo por sete anos e então me mudar para um condomínio. Por causa disso,
sou capaz de encontrar as qualidades e defeitos de modo quase imparcial.
Viver em um condomínio às vezes pode
ser assustador. A gente acorda, entra no
carro, acena para o mesmo segurança, vê as
mesmas pessoas na rua, entra na escola, vê
os mesmos amigos, sai, encontra conhecidos no ônibus, na aula de inglês, no shopping, na banca, no médico... (isso se seu
médico não for pai de um amigo).
Isso pode ser um charme, um toque de cidade pequena, de comunidade, de fraternidade; mas é sufocante quando precisamos
estar sozinhos ou sair sem preocupações,
como arrumar o cabelo ou a roupa.
Se você pretende morar num condomínio e gosta de cantar no banheiro, cuidado!
Seu vizinho pode conhecer aquela menina
da sua classe de quem você está afim. Do
mesmo modo que você deixa de andar pelas ruas de São Paulo por medo, morando
em num condomínio você tem receio de
deixar de pertencer a essa comunidade.
No entanto, as recompensas parecem ser
suficientes para esquecermos isso. Quando
me lembro da minha casa em São Paulo,
penso que seria difícil abandonar tudo isso
aqui e voltar para aquela vida: nada de jardim, grades nas janelas, caco de vidro no
muro... É óbvio que essa descrição corresponde a uma realidade especifica que eu vivi, mas hoje é a minha lembrança mais forte sobre "morar em São Paulo".
Desde pequeno, a gente aprende a ter medo de cidade. Esse sentimento de proteção,
porém, pode fazer com que morar aqui tenha um efeito negativo na nossa percepção.
Até que se atinja uma certa maturidade,
há a sensação de que São Paulo está em
constante guerra civil, sendo invadida por
guerrilheiros, que devemos ter medo de ir
para lá. Que somos extremamente sortudos por estarmos livres de tudo aquilo.
Para criarmos preconceitos é só mais um
passo. Somos melhores, somos maiores,
não temos crime... Mas então nosso pai fica
doente e pensamos que é melhor levá-lo
para São Paulo, para um hospital bom; precisamos comprar roupa e vamos para um
shopping em São Paulo. Muitas vezes, temos que pegar o carro e ir atrás de produtos e serviços que não temos aqui.
Uma vez em São Paulo, temos que enfrentar nossos fantasmas. Torcemos o nariz, mas não adianta, temos medo. Por isso,
é essencial saber morar em condomínio e
perceber que só estamos morando longe,
não estamos alheios. São Paulo ainda é nossa cidade, e seus problemas ainda nos dizem respeito e nos afetam.
Diogo Bercito, 16, é aluno do segundo ano do ensino médio
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