São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

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cinema

Filmes, filmes, filmes...e mais filmes

Dez cineastas revelam quais obras marcaram suas adolescências e por quê

LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

EM DUAS horas de sessão, numa sala escura de cinema, muita coisa pode acontecer. E algumas delas podem mudar a sua vida. O Folhateen foi atrás de dez cineastas brasileiros para saber quais filmes marcaram a adolescência deles e como esses longas mudaram suas vidas. Do futuro sombrio de "Blade Runner" aos "Embalos de Sábado à Noite", a lista dos diretores tem de tudo.

"Os filmes que mais me marcaram durante a adolescência foram: "Profissão Repórter", de Antonioni, "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos, "Alice nas Cidades", de Wim Wenders, e "Memórias do Subdesenvolvimento", de Tomás Gutiérres Alea. São filmes que abriram janelas para mundos que eu ainda não conhecia e que me fizeram entender que o cinema respondia como nenhuma outra forma de expressão à três perguntas fundamentais: de onde viemos, quem nós éramos, e para onde estávamos indo..."


Walter Salles, 50, diretor de "A Grande Arte", "Terra Estrangeira", "Central do Brasil", "O Primeiro Dia", "Abril Despedaçado", "Diários de Motocicleta" e "Água Negra"

"O filme que marcou bastante minha adolescência foi "Rio 40 graus". Não me lembro exatamente quando o assisti mas me lembro de ter pensado: "Puxa, é possível fazer um filme aqui no Brasil com cara de Brasil". Acho que foi nessa época que eu virei cinéfila. Além disso, o que marcou mesmo minha adolescência em termos de cinema foi o fato de eu ser cinéfila: vivia em salas de cinema. Sair da escola, tomar um lanche e pegar a sessão das duas é incrível: sala vazia, poucas pessoas, uma delícia. Havia também os cineclubes, a Mostra Internacional de Cinema estava começando. Lá eu encontrava amigos, nós discutíamos filmes e idéias."

Tata Amaral, 44, diretora de "Um Céu de Estrelas", "Através da Janela" e "Antonia"

"O que mais me marcou na adolescência foi a música, em vez do cinema. Por isso, um dos filmes mais importantes para mim nesse período é "Os Embalos de Sábado à Noite". É um filme alegre e tem a história do cara que rompe as barreiras. Para mim, a música era o lugar do sonho, mais até do que o cinema. "Os Embalos de Sábado à Noite" é quase um parque de diversões, com aquela luzinha piscando no chão da discoteca. Ele traz o cinema enquanto espaço do prazer, da festa, do entretenimento quase físico. Outro filme que eu adorava era "Fama". Na música final você fica com vontade de levantar e dançar, no meio do cinema. Quando fiz "Madame Satã" eu queria que as pessoas também dançassem ao som da batucada final. Além disso, outro filme importante foi "Z", do Costa-Gavras. Ele trazia o cinema enquanto uma prática que podia transformar o mundo, algo que eu não via na TV e que foi muito estimulante para mim. Era o final da ditadura, então tinha um despertar da consciência política, que me marcou muito"

Karim Aïnouz, 40, diretor de "Madame Satã" e "O Céu de Suely"

"Tem dois filmes que assisti na Mostra Internacional de Cinema, quando estava no colegial, que foram importantes: "O Ilusionista" e "O Homem da Linha". Não são filmes comerciais, são autorais. Eles me mostraram uma outra maneira de contar uma história, com personagens que brincam com o universo da loucura, que estão descolados da realidade. Você se encanta com eles, entende o raciocínio deles. Eles falam do universo da loucura com muita poesia. Isso ficou guardado no meu inconsciente, e percebi que, quando fiz o "Bicho de Sete Cabeças", eu estava lidando com esse tema também e queria tratar desse assunto de uma forma que tornasse os personagens humanos. Outro filme importante para mim é "Fama". Eu vi no comecinho da adolescência e, naquela época, eu sonhava estar ali. Eu queria estar no meio daqueles personagens, estudar naquela escola, viver a crise que eles estavam vivendo, que era uma crise coletiva, de uma geração. Eu queria pertencer também àquele universo."

Laís Bodanzky, 37, diretora de "Bicho de Sete Cabeças"

"Um dos filmes que me impressionaram foi "Laranja Mecânica". Eu devia ter uns 15 ou 16 anos quando o vi. Ele faz um tipo de crítica social que eu nunca tinha visto, uma coisa meio fantasiosa, com muita música. É um filme atual até hoje. Outro que me amarrei foi "Hair", que mostrava um pouco da loucura dos anos 70, falava de amor, de dificuldade de adaptação. "Eles não Usam Black Tie" é um filme muito especial para mim também, pois fala de um problema social de uma forma superdelicada"

Breno Silveira, 42, diretor de "2 Filhos de Francisco"

"Blade Runner" foi superimportante para mim, pelo impacto visual, aquela estética meio pós-moderna. Tem também dois filmes brasileiros que eu tive de driblar a censura para poder assistir, que são "Bete Balanço" e "Menino do Rio", dois filmes bem adolescentes. "O Iluminado" também assisti naquela época e adorei, é um grande clássico do terror. Mas um dos filmes que mais marcaram a minha adolescência foi justamente um que eu não vi, "O Homem Elefante". Todo dia eu pegava um ônibus que passava na frente do cinema onde o filme estava sendo exibido. Todo dia eu olhava aquele cartaz e ficava completamente fascinado com aquele título. Despertava um monte de sensações, medo, curiosidade. Me impressionava muito. Só assisti depois, já adulto, porque era proibido para menores de idade naquela época, e amei"

Heitor Dhalia, 36, diretor de "Nina" e "O Cheiro do Ralo"

"Adoro "Laranja Mecânica" por causa daquele personagem desarranjado. Quando você é adolescente, você fica com os demônios à flor da pele. Quando você vê aquele personagem do Malcolm McDowell, começa a pensar que caminho você vai tomar, que demônio você vai soltar. É um filme que me marcou pra caramba. Outro é "Cidadão Kane", que eu assisti quando comecei a me interessar por cinema. Foi importante para eu definir o tipo de cinema que eu queria fazer: um cinema autoral. "Cidadão Kane" foi um dos filmes que determinaram o tipo de linguagem e de estética que eu iria fazer, o tipo de inquietação que eu teria com o cinema. Para fechar, eu cito "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Enquanto o "Cidadão Kane" foi importante para a minha formação estética, "Deus e o Diabo" me colocou numa ótica mais realista, do país em que eu estava vivendo, e o que seria possível fazer no cinema. A cabeça seria "Cidadão Kane", o espaço seria "Deus e o Diabo" e a pessoa é o "Laranja Mecânica'"

Lírio Ferreira, 41, diretor de "Baile Perfumado" e "Árido Movie"

"Para mim, um dos filmes mais importantes é "Zabriskie Point", pela temática existencialista e ao mesmo tempo política. Outro que me marcou pra caramba foi "Iracema, Uma Transa Amazônica", pelo tema e pelo fato de eles terem trabalhado com pessoas da região, que não eram atores, não estavam acostumadas com a câmera. Por último, tem "Apocalypse Now", pelo espetáculo cinematográfico e por ter me proporcionado talvez o primeiro contato com a loucura humana"

Cao Hamburger, 44, diretor de "Castelo Rá-Tim-Bum, o Filme" e "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias"

"Cinema sempre foi a minha paixão, desde criança. Apesar de gostar de todos os tipos de filme, eu adoro ficção científica, e o meu filme favorito é "Blade Runner". Acho que já assisti a esse filme mais de 20 vezes e até hoje acho a história e o visual incríveis. Sempre sonhei em um dia poder fazer um filme de ficção científica tão bom quanto esse. Outros filmes que marcaram a minha adolescência foram "Alien", e mais tarde "Aliens". Também achei o "Exterminador do Futuro" muito bom e quando assisti ao nš 2, cheio de efeitos especiais, fiquei ainda mais determinado em fazer computação gráfica"

Carlos Saldanha, 38, diretor de "A Era do Gelo", "Robôs" e "A Era do Gelo 2"

"O primeiro filme que eu vi foi um dos Trapalhões, "O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão". Foi marcante, porque eu já comecei vendo filme brasileiro. Era muito popular, mas ao mesmo tempo o Renato Aragão tinha uma preocupação de fazer algo mais "cult", mais sério. Tinha uma coisa de paródia, mas era muito rico. Juntava o circense, a televisão, o cinema, vários tipos de dramaturgia. Outro filme importante é "Rio Bravo", cujo título brasileiro é "Onde Começa o Inferno", um western. Vendo esse tipo de filme com meu pai, em casa, à noite, eu comecei a pensar na possibilidade de fazer cinema, comecei a ter vontade de contar histórias. O terceiro filme que eu poderia citar é "O Vento", um filme mudo, antigo, americano, mas dirigido por um cineasta sueco. Foi o primeiro filme que eu vi na faculdade. Comecei a estudar linguagem a partir desse filme. Ele remetia à minha história com meu pai, por ser western, e ao mesmo tempo era um filme diferente, mais lento, poético"

Ricardo Elias, 38, diretor de "De Passagem" e "Os 12 Trabalhos"


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