São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2004

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Baixar música pela internet não afeta vendas de CDs

Egert Kamenik/Associated Press
Jaan Tallin, um dos três estonianos criadores do software Kazaa


ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Por mais que as grandes gravadoras esperneiem, baixar músicas pela internet não tem nenhum efeito sobre as vendas de CDs. A conclusão é de um estudo supercuidadoso feito por dois pesquisadores nos EUA -um da Universidade Harvard, outro da Universidade da Carolina do Norte. Ambas têm prestígio altíssimo no meio acadêmico.
De acordo com os pesquisadores, quem pega música pela internet é um tipo diferente do comprador comum de CDs. O "baixador" é o tal figura que gosta de se dar bem, de conseguir coisas de graça. Dificilmente compraria CDs, simplesmente porque não gosta de pagar. Um dos autores do trabalho dá o exemplo: "Imagine que você ganhe uma passagem para a Flórida. É muito provável que você vá, já que é de graça mesmo. Mas, se não tivesse o tíquete grátis, provavelmente não viajaria".
Esse resultado, é claro, colide de frente com o que diz a Riaa, associação dos gigantes do disco nos EUA. Segundo as "majors", as quedas mundiais de vendas são resultado direto do tráfego musical pela web. Em 2000, os dez álbuns mais vendidos, nos EUA, somaram 60 milhões de cópias. Em 2003, os "dez mais" totalizaram apenas 33 milhões de unidades. A culpa, de acordo com as gravadoras, é do velho Napster, do Kazaa, do Soulseek e de outros programas do gênero.
Mas a história, segundo reportagem recente do "New York Times", pode não ser tão simples. Os dois pesquisadores -Feliz Oberholzer-Gee, de Harvard, e Koleman Strumpf, da Carolina- dizem que os estudos da Riaa estão furados porque se baseiam em pesquisas de opinião enviadas pela internet, do tipo "responde-quem-quer". "As pessoas que aceitam ter seu uso de internet acompanhado e discutido provavelmente não são representativas dos usuários da internet como um todo", escreveram os cientistas.
Oberholzer-Gee e Strumpf usaram um sistema de análise muito mais direto. Ao longo de 17 semanas, em 2002, eles seguiram de perto milhões de "downloads" de músicas pela web. E, depois, usando fórmulas matemáticas muito complexas, compararam esses dados com as vendas de CDs no período. Resultado: mesmo nas épocas de picos nos downloads, as vendas não sofreram nenhum efeito!
Os pesquisadores têm uma conta interessante: seriam necessários 5.000 downloads para fazer um disco vender uma cópia a menos. Ou seja: ao longo de um ano, mundialmente, isso equivaleria a 2 milhões de álbuns vendidos a menos. Como mais de 800 milhões de CDs são vendidos todo ano, essa diferença de 2 milhões é totalmente desprezível.
A reportagem do "New York Times" não nega que haja uma crise grave na indústria da música. O que ela faz é apontar outras causas que não os "downloads" gratuitos que a rapaziada tanto aprecia. Por exemplo: o controle das rádios americanas por grandes redes, o que homogeneiza a programação e, portanto, concentra as vendas de discos em uns poucos artistas.
Outra coisa: os picos de vendas de CDs nos anos 90 foram anormais, porque, na época, muita gente ainda estava comprando CDs para substituir suas bolachas de vinil (e, assim, não faria sentido comparar as vendas de agora com as dos anos 90).
A questão está longe de uma resposta definitiva. O trabalho de Oberholzer-Gee e Strumpf torna o debate ainda mais atual e interessante.


Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br



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