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HQ
Escritora gaúcha recria herói clássico da literatura em imagens
Quixote da periferia
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de 400 anos, Sancho Pança finalmente aprendeu a ler e a escrever. Aliás, começa a vida de repórter
atrás de furos para um jornal digital criado
por estudantes de jornalismo. Um deles é
uma entrevista com Quixote, espécie de
justiceiro-glitter da periferia de alguma
metrópole brasileira.
A escritora e ilustradora gaúcha Paula
Mastroberti, 43, transformou o escudeiro
analfabeto da obra de Miguel de Cervantes
y Saavedra (1547-1616) em protagonista de
"Heroísmo de Quixote" (ed. Rocco, R$ 34).
E o engenhoso fidalgo Dom Quixote de la
Mancha se faz presente em aparições-relâmpago e quer habitar o imaginário das
pessoas. Ele se considera um super-herói
americano -será que o Quixote gaúcho do
século 21 trocou os romances de cavalaria
por quadrinhos do Watchman, um dos favoritos da autora?
No jogo da identidade da autoria não sobra muita semelhança entre Cervantes e
ela. Enquanto o espanhol bate o pé tentando convencer o leitor de que não passa de
um editor da tradução do que viria a ser
uma das obras literárias mais famosas de
todos os tempos, a escritora é menos modesta. Deixa claro que a história é só sua e
que o livro não é nenhuma adaptação da
novela do século 17.
"Diferentemente de Cervantes, eu me
despreocupo da idéia do autor. Apenas dialogo com os clássicos", diz ela, que prepara
uma tetralogia com heróis universais da literatura. Pinçou Quixote, Hamlet, Fausto e
Ulisses. "Peguei quatro arquétipos de heróis para explicar seus mitos."
Dos quatro, ela diz se identificar com o
Cavaleiro da Triste Figura. "Sou quixotesca: acredito no poder da ação como uma
capacidade de transformação social. Parafraseando o autor de "Madame Bovary",
Gustave Flaubert, o Quixote sou eu!", diz.
Para construir o universo de seu personagem, Mastroberti diz que fez uma "arqueologia de textos", entre pesquisas da obra de
Cervantes e outras leituras. O livro, escrito
em uma seqüência de cenas, busca a dinâmica de filme, mangás e quadrinhos.
E essa dinâmica culmina no roteiro de cinema que o jornalista Sancho escreve com
o jovem cineasta Cid H. Benengeli. A história que querem adaptar para o cinema é
justamente a de Quixote e seu amor platônico, a modelo Dulci Toboso.
Para o Quixote da periferia o filme é uma
espécie de coroamento de seus esforços para se lançar como "personalidade". Só sai
de casa maquiado, cabelo arrepiado e tapa-olho, faz das ruas sua passarela, posa de excêntrico -uau, será que ele, assim o verdadeiro Quixote, ultrapassa os limites da razão?
(LUCRECIA ZAPPI)
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