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O longo caminho para casa
Chega ao Brasil "A Viagem de Chihiro", japanimação que encantou o mundo
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Cena do anime "A Viagem de Chihiro", dirigido pelo mestre japonês Hayao Miyazaki |
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Há muitas histórias que a gente já leu,
viu ou ouviu contar um monte e nunca mais se esqueceu.
Lembra da Alice, aquela menina inglesa que correu atrás de um coelho e se meteu em mil aventuras contadas por um
escritor chamado Lewis Carrol? Depois,
aqui mesmo no Brasil, Monteiro Lobato
inventou a Narizinho, que, na companhia do Pedrinho, da Emília e dos amigos bizarros do Sítio do Picapau Amarelo, continua a se divertir na TV.
Agora, do Japão, vem uma garota de
dez anos que passa mais de duas horas
enfrentando deuses, monstros, feiticeiras e dragões no maravilhoso "A Viagem
de Chihiro", uma japanimação que estréia nos cinemas na sexta (18/7). Quem
já viu, sabe que não vai esquecer.
A Chihiro é uma menina meio mimada
que não pára de fazer perguntas enquanto viaja com os pais para a casa nova que
eles compraram. No meio do caminho,
eles erram a estrada, vão parar numa
passagem meio secreta e... o resto é melhor você ver no cinema.
Mais que a história, em tom às vezes de
fábula, às vezes de relato de aventuras, é a
animação que deixa o espectador boquiaberto. O criador do anime é o mestre
Hayao Miyazaki, considerado por muita
gente uma espécie de Disney japonês.
Na técnica que ele utiliza está a grande
diferença. No lugar da aparência sintética das criaturas de filmes até bacanas como "Shrek", Miyazaki permanece fiel ao
desenho em aquarela e recorre a efeitos
3D em computador apenas para obter
volume nas figuras em algumas cenas.
Outra diferença que chama a atenção
de quem só assiste aos animes que passam na TV é que, em vez daqueles movimentos duros e sem expressão, em "A
Viagem de Chihiro", as texturas (nas
roupas e nos ambientes), os espaços e
perspectivas são tão sofisticados que parecem mais com aquelas imagens que só
vemos nos nossos sonhos.
Como um bom filme não se faz só com
belas imagens ou com boa técnica, qual o
segredo do sucesso de "A Viagem de
Chihiro"? Afinal, a japanimação agradou
tanto aos críticos (foi melhor filme no
Festival de Berlim em 2002 e Oscar de
animação) quanto ao público (é recordista de bilheteria no Japão, onde bateu
até o oceano de lágrimas de "Titanic").
Primeiro segredo: a história. Chihiro,
como a Alice e a Narizinho lembradas
acima, enfrenta o que se chama "rito de
iniciação", passa por uma série de provas
que constituem ao mesmo tempo sua
aventura e seu aprendizado. A história
dela concentra e reproduz, em diversos
níveis, a de todos nós.
Segundo segredo: a fantasia. O "outro
lado" em que a garota mergulha é um
mundo "maravilhoso" e "extraordinário", comandado pelas regras livres da
pura imaginação. E essa possibilidade de
tudo transformar encanta desde crianças
com a idade da heroína até espectadores
bastante crescidinhos.
Terceiro segredo: a moral. Como se sabe, as histórias têm significados. E, nas
fábulas, mais que a própria história, o
que importa é a moral da história.
Então, preste atenção em dois momentos do filme: aquele em que os pais se
transformam em porcos e aquele do homem sem rosto que, de amigo, vira uma
espécie de ogro. Em ambos, há um significado forte e atual de crítica ao consumismo sem limites na forma da devoração de tudo e de todos que passam pela
frente. Neles, Miyazaki nos diz que não
basta comprar e consumir para ser alguém. O avesso dessa situação está na
própria Chihiro, que, por sua conta e risco, descobre do que é capaz e que, depois
de duas horas, deixa de ser a garotinha
de dez anos mimada do início.
Mesmo feito no Japão e profundamente carregado de referências a elementos
da cultura nipônica (alguns de difícil
compreensão por nós, ocidentais), "A
Viagem de Chihiro" fascina gente em
qualquer lugar do mundo.
Afinal, Alice e Narizinho também são
crias de outra época e lugar e, mesmo assim, continuamos a aprender muito
com elas. Será que é por que, como sua
nova amiga, Chihiro, elas são mais humanas do que nós?
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