São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2004

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CINEMA

Câmera na mão

Jovens de comunidades carentes aprendem a fazer cinema produzindo documentários sobre histórias de superação

Divulgação
Da esq. para a dir., Thiago (em pé), 18, Wagner, 16, Thayane, 14, Dayana, 16, Nelson Pereira dos Santos, 75, Aline, 19, Márcio, 18, Wilney (na frente), 16, Willian, 15, Lourenço, 17, e Ricardo, 17; no alto, Aline entrevista o colega Lourenço


DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu moro no bairro do Gogó e da Ema, famoso porque aqui matavam muita gente pelo gogó, cortando o pescoço", conta, naturalmente, Jordana Vicente Gonçalves, 18, descrevendo o local onde mora, em Belford Roxo, na região metropolitana do Rio. Por causa do bairro em que mora, ela tinha certeza de que não ia ganhar um concurso de redação, que dava como prêmio R$ 500. "Ninguém olha para cá."
Como gosta de escrever, resolveu participar assim mesmo. O tema da redação era a baía da Guanabara. Jordana inventou a história de uma plantinha aquática que vivia lá e estava quase morrendo de tristeza, sem respirar direito, por causa da poluição. Mandou a redação pelo correio e esqueceu.
Quase um ano depois, recebeu a notícia de que havia ficado em terceiro lugar. Além do dinheiro, também ganhou um curso de dramaturgia no teatro Ziembinski, na Tijuca, e aprendeu a escrever peças. Sua primeira peça, "Anjinhos e Capetinhas", ficou dois meses em cartaz, com o teatro lotado.
"Eu não acreditava que isso estava acontecendo", Jordana conta no DVD "Gente É para Brilhar - Histórias que Valem a Pena Serem Contadas". A vida dela é o tema de uma das seis histórias retratadas no projeto da ONG Cima (Centro de Informação, Cultura e Meio Ambiente), em parceria com diversas empresas, lançado no começo do mês. Dez jovens de comunidades carentes, selecionados entre 150 participantes de um programa de combate à evasão escolar, ajudaram a fazer o DVD, que agora está sendo distribuído para a rede municipal de ensino do Rio de Janeiro.
Por dois meses, eles fizeram um curso em período integral de direção, produção, roteiro, som e fotografia na Academia Internacional de Cinema, no Rio. Além das histórias de outros jovens como eles, também fizeram um documentário sobre Nelson Pereira dos Santos, um dos cineastas mais importantes do Cinema Novo, que fez obras como "Rio 40 Graus" (1955) e "Vidas Secas" (1963).
"Eu aprendi muita coisa, entende? Antes do projeto, eu não tinha noção do que era o cinema. Eu assistia ao filme e pronto. Agora vejo tudo com outros olhos. Para fazer um filme de minutos, é preciso um trabalho imenso, não só de uma pessoa, mas de toda uma equipe", diz Aline de Paiva Pereira, 19, uma das meninas do projeto, que pensa em trabalhar com filmes publicitários. Ela voltou a estudar e está no 1º ano do ensino médio. "Percebi que, se não estudar, não vou conseguir fazer o que eu quero."
Lourenço Teixeira de Souza Júnior, 17, também está no 1º ano do ensino médio -perdeu um ano durante a separação dos pais. Pensava em cursar direito, mas agora quer fazer cinema. "Gostei mais de trabalhar com câmera e com produção. Eu me amarro em correria."
Três dos meninos já estão trabalhando na área. "Acho que o projeto deu a eles uma perspectiva de futuro, de auto-estima. Muitos dizem: "Antes eu não acreditava em mim, mas agora eu tenho um rumo'", afirmou Marcos Didonet, diretor do Cima.
"Os meninos queriam saber tudo sobre o mundo do cinema. Eles já possuem a curiosidade de quem tem talento, mas o talento só vem com a prática", disse o cineasta Nelson Pereira dos Santos. (AK)

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